Li que o
bilionário Jeff Bezos tem investido um dinheirão numa startup que pesquisa a imortalidade.
Bezos, que já foi ao espaço, parece insatisfeito com a possibilidade de o homem
explorar os domínios extraterrestres. Quer mais. Seu sonho é que no futuro
possamos escapar de um evento que por excelência confirma a nossa condição
animal – o fim da vida.
Há quem se
empolgue com essa ideia do criador da Amazon e anteveja um futuro no qual,
enfim, nos libertaremos do fardo de nos sabermos mortais. Estou longe de pertencer
a esse grupo. Para mim, a morte é o que dá sentido à vida. A perspectiva de que
um dia deixaremos de “ser” é que nos mobiliza a construir por aqui algo de
valor, aproveitando bem o tempo. Tudo que nasce morre, e o homem não está imune
a essa inevitável lei biológica.
Mas deixemos de lado
a biologia e nos fixemos nas implicações pragmáticas da proposta do bilionário.
O fato de não morrermos inviabilizaria a continuidade dos empreendimentos
humanos na Terra. A morte justifica diversas práticas que, sem ela, não teriam
razão de ser. Há toda uma indústria, e um vasto comércio, que se alimenta da
perspectiva da nossa finitude.
Fico imaginando algumas
possibilidades. Por exemplo: se não viéssemos a morrer, os bancos e as seguradoras
faliriam (para não falar, claro, das casas mortuárias). Muita gente tem o cuidado
de investir parte da sua renda em planos de previdência privada, ou semelhantes,
a fim de ao fechar os olhos não deixar ao desamparo a mulher e os filhos. Não haveria,
é óbvio, nenhum sentido em uma pessoa fazer isso sabendo que vai viver eternamente.
Por falar em eternidade,
como sem a perspectiva da morte ficaria a crença religiosa? O que a sustenta é
justamente o pavor que temos não apenas de morrer mas de, morrendo, ir para um
lugar pior do que este. Para evitar isso frequentamos cultos, missas e rituais
semelhantes, levando para eles nossa esperança e por vezes nosso dinheiro. Em
troca disso nos fortificamos com a ideia de que algo sobreviverá ao corpo perecível.
Qual o sentido de tais celebrações caso nos fosse concedida uma imortalidade realmente
física, e não a de um incorpóreo espírito a pairar em nebulosas dimensões
siderais?
A exclusão da
morte afetaria também as relações entre os casais apaixonados. Quantas paixões
não se alimentam da promessa, feita pelos amantes, de dar a vida pelo outro? Paixão
e morte são aliados históricos, conforme se vê na literatura e na arte em
geral. A tragédia de Romeu e Julieta está aí para demonstrar a verdade dessa
antiga aliança. Sem a disposição mesmo retórica para o sacrifício supremo, que
é o de morrer por amor, as promessas dos amantes perderiam muito da sua credibilidade.
Isso terminaria inviabilizando as ligações e por extensão os casamentos,
ameaçando a existência da instituição familiar.
Arrisco-me a dizer
que pensar na ausência da morte é pior do que cogitar da sua existência. Para
muitos ela é repouso, lenitivo, possibilidade de se livrar de uma vida inútil e
sem graça. Se a gente mal nasce começa a morrer, como diz o poeta, é porque o
espectro da morte nos acompanha desde o início. Seu papel é nos mostrar que, a despeito
das clamorosas diferenças que há neste mundo, o fim será o mesmo para todos.
Só mesmo a avidez
e a presunção de um bilionário para querer nos privar dessa igualitária e confortadora
evidência.
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