quarta-feira, 29 de novembro de 2023

Dos males de não morrer

 

Li que o bilionário Jeff Bezos tem investido um dinheirão numa startup que pesquisa a imortalidade. Bezos, que já foi ao espaço, parece insatisfeito com a possibilidade de o homem explorar os domínios extraterrestres. Quer mais. Seu sonho é que no futuro possamos escapar de um evento que por excelência confirma a nossa condição animal – o fim da vida.

Há quem se empolgue com essa ideia do criador da Amazon e anteveja um futuro no qual, enfim, nos libertaremos do fardo de nos sabermos mortais. Estou longe de pertencer a esse grupo. Para mim, a morte é o que dá sentido à vida. A perspectiva de que um dia deixaremos de “ser” é que nos mobiliza a construir por aqui algo de valor, aproveitando bem o tempo. Tudo que nasce morre, e o homem não está imune a essa inevitável lei biológica.

Mas deixemos de lado a biologia e nos fixemos nas implicações pragmáticas da proposta do bilionário. O fato de não morrermos inviabilizaria a continuidade dos empreendimentos humanos na Terra. A morte justifica diversas práticas que, sem ela, não teriam razão de ser. Há toda uma indústria, e um vasto comércio, que se alimenta da perspectiva da nossa finitude.

Fico imaginando algumas possibilidades. Por exemplo: se não viéssemos a morrer, os bancos e as seguradoras faliriam (para não falar, claro, das casas mortuárias). Muita gente tem o cuidado de investir parte da sua renda em planos de previdência privada, ou semelhantes, a fim de ao fechar os olhos não deixar ao desamparo a mulher e os filhos. Não haveria, é óbvio, nenhum sentido em uma pessoa fazer isso sabendo que vai viver eternamente.   

Por falar em eternidade, como sem a perspectiva da morte ficaria a crença religiosa? O que a sustenta é justamente o pavor que temos não apenas de morrer mas de, morrendo, ir para um lugar pior do que este. Para evitar isso frequentamos cultos, missas e rituais semelhantes, levando para eles nossa esperança e por vezes nosso dinheiro. Em troca disso nos fortificamos com a ideia de que algo sobreviverá ao corpo perecível. Qual o sentido de tais celebrações caso nos fosse concedida uma imortalidade realmente física, e não a de um incorpóreo espírito a pairar em nebulosas dimensões siderais?

A exclusão da morte afetaria também as relações entre os casais apaixonados. Quantas paixões não se alimentam da promessa, feita pelos amantes, de dar a vida pelo outro? Paixão e morte são aliados históricos, conforme se vê na literatura e na arte em geral. A tragédia de Romeu e Julieta está aí para demonstrar a verdade dessa antiga aliança. Sem a disposição mesmo retórica para o sacrifício supremo, que é o de morrer por amor, as promessas dos amantes perderiam muito da sua credibilidade. Isso terminaria inviabilizando as ligações e por extensão os casamentos, ameaçando a existência da instituição familiar.  

Arrisco-me a dizer que pensar na ausência da morte é pior do que cogitar da sua existência. Para muitos ela é repouso, lenitivo, possibilidade de se livrar de uma vida inútil e sem graça. Se a gente mal nasce começa a morrer, como diz o poeta, é porque o espectro da morte nos acompanha desde o início. Seu papel é nos mostrar que, a despeito das clamorosas diferenças que há neste mundo, o fim será o mesmo para todos.

Só mesmo a avidez e a presunção de um bilionário para querer nos privar dessa igualitária e confortadora evidência.   

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O silêncio do inocente