Hoje se fala muito
em manter o foco. São incontáveis os livros sobre o tema, que a meu ver implica
basicamente dois tipos de atitude: ter em mente um objetivo e persistir até
alcançá-lo. Muitos não sabem o que querem e se esforçam em vão. Outros até miram
com clareza o alvo, mas não têm constância para chegar até ele.
O problema não
atinge apenas pessoas comuns ou de mediana inteligência. Acomete também os gênios.
Um caso famoso é o de Leonardo da Vinci, que costumava deixar os trabalhos pela
metade (embora, segundo seus biógrafos, o motivo para isso fosse nobre: a sua
imensa curiosidade por tudo). Outro caso é o de Jean-Paul Sartre; em texto que
li há algum tempo, Wilson Martins criticava no filósofo existencialista, entre
outras interrupções, o fato de não ter dado prosseguimento a “O ser e o nada”. Ele
teria morrido devendo isso à humanidade.
Quem não completa
o que começou fica sobretudo em débito consigo mesmo. E, pelo número de publicações
que o problema vem suscitando, são muitas hoje as pessoas nessa situação. A
cada manhã começam algo novo, mas o impulso para sequenciá-lo só vai até a
noite. No dia seguinte, ao acordar, parecem ter perdido o fio que as conectava
ao antigo propósito e têm que recomeçar do zero.
Não que esse
pessoal queira se “reinventar” a cada dia. Esse verbo possui uma conotação
positiva e se refere à capacidade, que poucos têm, de estar sempre renovando
seus projetos. O recomeço a que me refiro consiste em reconectar os fios de uma
deliberação que, por uma misteriosa química, a noite dispersou.
Isso não é nada fácil,
pois depende de uma aliança entre vontade e predisposição inata. Ou seja, a
genética interfere. Sabe-se que, se não comanda tudo, ela tem um peso que pode
amargamente contrabalançar o empenho com que o indivíduo procura reencontrar o
seu rumo.
A atenção que hoje
se dá ao foco mostra que a dificuldade de estabelecer uma diretriz (intelectual
ou existencial) está em boa medida ligada aos estímulos da vida moderna. Atualmente
são muitos os apelos para seguir diferentes tendências de comportamento, grande
parte deles potencializada pela instantaneidade da internet. Como se situar
nessa avalanche de ideias que requisitam nossa atenção ao mesmo tempo que a despedaçam?
Os inúmeros apelos
à dispersão fazem com que o desafio de manter o foco seja sobretudo interior. Mais
do que ficar atento ao que se passa no mundo, o indivíduo deve voltar a atenção
para si mesmo. Deve escolher em função de “quem é”, e não “ser” em função do
que escolhe. Pois muitas vezes as escolhas, ao contrário do que diz o mestre do
existencialismo citado linhas atrás, são determinadas por ilusões que a
sociedade inculca no indivíduo para adequá-lo ao seu funcionamento.
Em tempo: o propósito
desta crônica é um tanto terapêutico, pois também tenho dificuldade de manter o
foco. Sei que, se me concentrasse suficientemente nas tarefas, produziria mais
e talvez melhor. Já tentei menosprezar o problema fazendo uma frase: “Os gurus
da autoajuda dizem que é preciso ter foco. Isso para mim não é problema; tenho
vários.” Em seu humorístico nonsense, a frase pode ter ficado interessante –
mas não afastou o abatimento que vez por outra a falta de constância nas metas
provoca em mim.
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