“Golpe de sorte em Paris” reprisa uma
conhecida obsessão de Woody Allen: o papel do acaso na determinação do que nos
acontece. Só que a forma como o tema é tratado não está no nível que o
diretor/roteirista alcança, por exemplo, em “Match Point”, onde a narrativa
é mais densa, e os diálogos, mais inventivos.
A partir do encontro (casual) com
Alain, um antigo colega de classe, Fanny inicia um caso que tende a pôr em
xeque o seu casamento. Sabendo disso, o marido (Jean) trata de providenciar a
morte desse amante, repetindo o que fizera para se livrar de um antigo
sócio.
O plano funciona até o momento em que
a mãe de Fanny, a partir de uma conversa com amigos, começa a desconfiar do
genro. Ele percebe isso e arma um plano para também eliminá-la. O fato de essa
nova tentativa fracassar (já dei spoiler o suficiente) é o meio de
que Allen se serve para destacar no jogo cego do destino o componente da
ironia.
É irônica a forma como, no final, o
assassino é “punido” — caso se possa chamar de punição um ato para o qual não
há nenhum propósito consciente e deliberado. Essa questão Allen implicitamente
deixa aos espectadores.
Nesse ponto “Golpe de sorte em Paris”
difere de “Match Point”, em que o assassino sai incólume (a não ser pela
manifestação de um discreto sentimento de culpa). Nem por isso se pode dizer
que a ironia sugere algum tipo de justiça, pois o seu efeito benéfico deriva de
uma ocorrência casual.
Enfim, segundo a visão de mundo do
autor, estamos na dependência da sorte. O que nos acontece é gratuito, não
obedece a um desígnio superior. O que podemos fazer é instaurar dentro dos
nossos limites uma causalidade humana orientada por ideais de justiça e
igualdade.
O filme, claro, não contempla objetivamente essa ressalva. Seu propósito, coerente com o inesperado desfecho, é deixar em aberto a questão e nos fazer pensar. Ou filosoficamente sorrir, pois há em toda ironia uma nota de humor.
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