“Ainda estou aqui” tem lotado as salas de cinema brasileiras. Vi-o há pouco e entendo a razão do sucesso. O filme é um registro impactante do pesadelo que o País viveu nos chamados “anos de chumbo”.
A
partir do sequestro e morte do ex-deputado Rubens Paiva, o roteiro enfoca a esfacelamento
de uma família de classe média, igual a tantas outras, que de repente se vê aterrorizada
pela prepotência e o arbítrio. O alegre convívio familiar, marcado por jogos,
brincadeiras, idas à praia, é rompido pela presença enigmática de “estranhos”
que invadem a casa.
Além
de levar o chefe, eles fazem ao longo de semanas um cerco que inflige apreensão
sobretudo a Eunice, esposa do político, que tenta esconder dos filhos o perigo que
os está rondando. A personagem é interpretada por Fernanda Torres, cotada para
o Oscar. Ela bem que merece ganhar a estatueta; com a sua interpretação tensa,
contida, deixa transparecer sobretudo pelo olhar o desespero que vai tomando
conta de todos.
A
cena em que toma banho ao voltar para casa, após a reclusão numa cela policial,
merece figurar numa antologia do cinema. A ênfase com que esfrega o corpo
gretado e macerado traduz uma repugnância que não é apenas da sujeira física. Ela
parece querer extirpar da alma o que ali involuntariamente testemunhou da
degradação humana.
A
sequência final, em que Eunice é interpretada por Fernanda Montenegro,
constitui um dos pontos altos do filme. Vale pelo meticuloso desempenho da atriz
e pelo simbolismo que contém. Com Alzheimer, e já esquecida de quase tudo, a
personagem manifesta uma rara porém significativa reação ao ver, numa reportagem
televisiva, a foto do marido entre um grupo de “desaparecidos”. Só mesmo a Grande
Dama para traduzir na medida, com verossimilhança, o traço de emoção que alguém
acometido pelo Alzheimer pode experimentar.
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