terça-feira, 27 de abril de 2010

Sol e esquecimento

Reaberto ao público o Cristo Redentor. A TV mostra uma bela manhã de sol, com os turistas deslumbrados olhando lá de cima a capital carioca. De um lado a ponte Rio-Niterói, do outro o Pão de Açúcar, mais atrás a lagoa Rodrigo Freitas.
Volta o sol para aos poucos sepultar as lembranças da catástrofe provocada pelas chuvas. Não dá para lembrar coisas tristes, ligadas a morte e luto, diante do recorte sensual daquela geografia. A visão da cidade ali deitada parece um irrecusável apelo à vida, e ninguém é mórbido o bastante para ignorá-lo.
Mas não precisa ser o Rio, que tem como aliado sua deslumbrante beleza. Onde quer que a chuva tenha destruído e matado, agora estamos em tempo de esquecer. Basta para isso vir o sol, que nos convoca à vida e nos captura também graças à frivolidade do nosso espírito.
Somos levianos, irresponsáveis, inimigos da previdência e da lembrança. Está certo que esquecer é condição para prosseguir, quem vive preso ao passado não realiza o futuro. Mas tendemos a recusar do passado seu legado mais precioso: o que ele pode nos trazer de lição. O resultado é que, por uma amnésia consentida, alargamos o domínio do imprevisível. Com isso reforçamos as garras do destino, cujo poder se multiplica quando a ação do homem se subtrai.
O desmoronamento do morro do Bumba, em Niterói, ainda reboa em nossos ouvidos. Foi uma trágica sinfonia de choros e urros em volta de dezenas de corpos sepultados vivos. Isso num momento em que a terra estava molhada e densas nuvens escureciam o céu. A desgraça tinha o seu décor, e todo o mundo estava concentrado nela. Naquele momento os moradores e o poder público se dispunham a evitar que tragédias como aquela voltassem a acontecer.
Mas passa o tempo, vem o sol para aclarar o céu e livrar a cabeça de cuidados enfadonhos. Daqui a pouco a terra endurecerá e o aterro sanitário ganhará aspecto de rocha (tudo é possível na fantasia dos que não têm onde morar). Novos casebres vão se reerguer, animados pela esperança. Ninguém se lembrará de que um dia aquilo foi uma tumba coletiva.
E a vida vai prosseguir dentro de uma normalidade aparente -- até que volte a chover. Mas para que pensar nisso agora?

Um comentário:

  1. Professor Chico:

    Concordo plenamente com o senhor. É perceptível que todo o sofrimento daqueles que perderam suas casas nas “tenebrosas” chuvas do Rio de Janeiro vai ser esquecido, principalmente, por aqueles que não devem esquecer – os políticos. Eles preferem mesmo é investir milhões em festas do que construir habitações dignas para os moradores de encostas e áreas de risco.

    Retribuo a visita feita ao meu blog e agradeço pelo honroso comentário.

    Desejo muito sucesso na vida do senhor e espero que possa um dia ocupar uma cadeira na Academia Paraibana de Letras e até mesmo na Brasileira. Quem conhece seu trabalho sabe da importância. Estou na torcida!

    Abraço

    Tancredo Fernandes

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O poder da frase