domingo, 16 de outubro de 2011

Ciúme e crime

Tantas notícias embotam a nossa sensibilidade. O crime de ontem é logo esquecido pela chacina de hoje, que por sua vez perde o interesse para a tragédia de amanhã. Ficamos insensíveis e transformamos o ato de assistir ao noticiário em vício. O que é o vício, senão um prazer impuro? Impuro não apenas no sentido moral, mas no de que já não nos gratifica porque não atinge certas camadas do nosso ser. Existe para satisfazer uma compulsão.
Certamente por essa banalização das tragédias, falou-se pouco do crime cometido por aquele professor de Direito em São Paulo. Depois de atirar na mulher e vagar horas sem saber o que fazer com o cadáver, ele resolveu se entregar. Parou o carro em frente a uma delegacia, entrou e disse ao delegado de plantão que tinha feito “uma besteira”. Entende-se o sentido em que ele usou “besteira”, mas é impossível ignorar os outros que essa palavra tem: tolice, ninharia, insignificância. Tirar a vida da moça tinha sido para ele isso.
O que o levou a matar a aluna foi o despeito por ela não o querer mais. E a história não pode ser mais velha. Alguém -- geralmente o homem -- não aceita que o deixem e chega ao limite de suprimir quem faz isso. Se não pode ter a mulher por bem, a tem por mal, destruindo-a e mostrando enfim quem manda. A supressão do outro parece ser a única forma de compensar o orgulho ferido.
Esses crimes de passionais não têm nada. O natural é que a paixão conduza à vida, não à morte. Era difícil que gente como Doca Street, Pimenta Neves e outros que a crônica policial imortalizou amassem as pessoas que brutalmente mataram. São na verdade crimes provocados pelo ciúme, e a despeito da arrogância dos que o cometem justificam-se por um intenso automenosprezo.
A lógica do ciumento é: não posso confiar em quem gosta de mim. Logo, devo em algum momento ser traído e preciso me prevenir disso. O ciumento não entende que a confiança no outro nasce da confiança em si. Como não a tem, sente-se na iminência de ser abandonado. De certo modo deseja isso, pois considera o abandono um meio de se punir. No fundo quer transformar o outro em traidor para mostrar que tem razão e com isso alimentar o seu rancor, que logo se transforma em ódio. As balas são a tradução material desse ódio.

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