segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Na contramão da vida

O Brasil é um país em que pouco se respeitam as leis. Aceitamos isso com um fatalismo meio cômico, transformando nossa aversão às normas em motivo de piada. Tudo é muito engraçado até o momento em que o desrespeito vira tragédia, como vem acontecendo nas estradas em razão do álcool ao volante.
Há uma lei que proíbe beber e dirigir, mas ninguém a cumpre nem a fiscaliza. Lembro-me de quando ela apareceu, com o sugestivo nome de Lei Seca, e por algum tempo ganhou largo espaço na mídia. Reportagens mostravam pessoas sendo paradas e submetidas ao teste do bafômetro. Ou jovens que iam para as baladas e escalavam alguém do grupo para ficar na direção. Esse não bebia durante toda a noite e até virava motivo de uma troça saudável entre os colegas. No fundo tinha orgulho por “se sacrificar” em prol da segurança dos outros. Sobriedade era sinônimo de solidariedade.
Com o tempo essas cenas foram deixando o noticiário e dando lugar a outras bem mais sombrias. Em vez de mostrar as blitzen para flagrar alcoolizados na direção, ou a turma que bebia de forma responsável, as que vemos agora alternam a descrição dos acidentes com as imagens das famílias chorando seus mortos -- muitos deles, jovens.
Vez por outra vemos sair do carro responsável pela colisão um motorista que mal se segura nas pernas e engrola as palavras diante do repórter. Se lhe pedem para soprar o bafômetro (como se fosse preciso!), ele não apenas se recusa como reage com violência.
Todos conhecem o caminho para que tais cenas saiam dos noticiários: fazer cumprir a lei, punindo com rigor quem a descumpre. A medida mais sensata seria obrigar todos os que se excedem no trânsito a fazer o teste do bafômetro. A recusa a se submeter a ele seria uma tácita confissão de culpa.
Alega-se que tal obrigação não se justifica porque ninguém pode ser levado a produzir provas contra si mesmo. Esse é um dos sofismas com que habitualmente se manipula o Direito para impedir a justiça. Não é difícil refutá-lo: a tal prova contra si apenas se concretiza caso o indivíduo tenha mesmo bebido; ninguém é incriminado por ela se está sóbrio. Logo, em vez de um instrumento de incriminação, o teste é um recurso para o estabelecimento da verdade. Não revela o que não existe.
Enquanto a Lei tropeça nesses ardis, continua a tragédia em nossas estradas. E os culpados, impunes, festejam a liberdade brindando à morte.

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