domingo, 15 de julho de 2012

Notas sobre Roma (2)

O turista não viaja para conhecer o novo, mas para sair do mesmo. O que mais o seduz é a sensação de ser de outro lugar. Millôr escreveu certa vez que turismo é prostituição. A definição tem fundamento, pois os nativos raramente veem com boa vontade esse personagem que não tem amor pela terra deles, pois não a conhece -- suportam-no, entre outras razões, pelo dinheiro que trazem.
O turista reverencia e mutila. Apesar da intensa vigilância dos funcionários, vi pessoas fotografando às escondidas a Capela Sistina. Sabiam do mal que estavam causando, mas não se importavam; o importante era levar para casa o registro de que lá estiveram. Ainda na Basílica de São Pedro, vi um rapaz imergir os dedos na pia de água benta, se benzer e depois sair jogando água nos colegas, que rindo procuravam escapar. Era curioso ver cenas assim no maior templo da cristandade. Que fazer? O turista é um peregrino sem alma.
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O Renascimento não foi uma ruptura com o legado medieval, mas uma tentativa de conciliação. Procurou trazer alguma luz ao propalado obscurantismo da época anterior. Essa luz, do ponto de vista artístico, transparece na representação de anjos, santos e outras figuras do universo religioso.
Michelangelo, Leonardo, Bernini, influenciados pela arte grega (sobretudo a escultura), traziam simetria e proporção aos obscuros enigmas da alma. O efeito dessa representação racionalizada da fé era tranquilizador. Com o tempo, essa tranquilidade pareceu pouco adequada a traduzir os embates do espírito. Sentiu-se nostalgia da dúvida, do mistério, da obscuridade -- e veio o Barroco. O ser humano não suporta a luz.
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Deparei-me com uns poucos mendigos nas ruas de Roma. Alguns (as mulheres, sobretudo) não mostravam o rosto. Prostravam-se na calçada e colocavam um pouco à frente um copinho, ou um pires, onde os passantes pingavam sua caridade. Não pude deixar de comparar isso com o que se vê por aqui. Entre nós os mendigos são ruidosos, ostensivos; chegam a nos abordar nos sinais de trânsito. Mesmo com o país em crise, lá a miséria tem mais discrição.

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Dia do Beijo