domingo, 8 de julho de 2012

Notas sobre Roma

Chegamos em Roma numa época de calor e muitos turistas. Já haviam me alertado para isso; junho é o mês em que os europeus tiram férias, e a capital da Itália disputa com Paris a preferência deles. Mas a cidade não estava cheia apenas de europeus; americanos, árabes e sobretudo japoneses circulavam por suas ruas, visitavam seus museus, percorriam suas igrejas. Isso dificultou que a explorássemos com o vagar que o cenário pedia, pois era preciso enfrentar filas intermináveis até para encher nas fontes nossas garrafinhas de água mineral. Mas a espera era recompensada pela magnitude do que nos era dado contemplar.
“Magnitude” é bem a palavra. Tudo ali transpira grandeza e luxo. Observando a exuberância das igrejas, eu achava curioso que aquele fausto tivesse germinado de uma religião que, em sua essência, prega o despojamento e a humildade. Os próceres católicos, pelo visto, não acreditavam que é mais fácil um camelo passar pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no reino do Céu. Do contrário, não teriam se esmerado em ostentar um poder que só podia existir com muito, muito dinheiro.
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Quase não uso a palavra “epifania”, que acho vaga e um tanto desgastada. Mas não há outra para definir o que senti quando entrei na Basílica de São Pedro e vi do lado direito, protegida por um vidro grosso, a “Pietà” de Michelangelo. Se epifania é a “percepção do significado essencial de uma coisa”, ali estava talvez a mais pungente tradução da dor humana. Ou haverá dor maior do que a da mãe que tem no colo o filho morto?
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Foi preciso uma disposição de gladiador para entrar na fila dos que queriam conhecer o Coliseu. Encaramos o desafio com resignação, pensando que destino bem pior tiveram os que na arena daquele imenso anfiteatro lutaram pela vida.
O Coliseu estava em reformas, e me surpreendi ao ver que por baixo da arena existe um labirinto de corredores. Explicaram-me que os lutadores ficavam ali até que chegasse o momento de enfrentar seus oponentes -- e os leões. O povo queria sangue, mas sobretudo queria testemunhar a força e a coragem humanas. Quem mais demonstrasse isso ganhava o direito de viver.
Não surpreende esse tipo de espetáculo numa nação que precisava da guerra para se expandir e dominar o mundo. Essa deve ser também uma das razões pelas quais a arte romana valoriza tanto o corpo masculino. Vê-se nos museus que os homens são representados com mais frequência e apuro do que as mulheres (situação que muda com o cristianismo).
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Woody Allen termina “Para Roma, com Amor” com uma sequência, na Piazza di Spagna, em que o guarda de trânsito que aparece no início do filme fala sobre as contrastes da cidade e lhe faz uma declaração de amor. Surpreendente, não há dúvida de que Roma é. Um exemplo tolo: num dos nossos passeios, à tardinha, deparei-me com um grupo de jovens que cantavam e dançavam na famosa escadaria dessa piazza. Pertenciam a várias nacionalidades, e uma das músicas que entoavam era... “Ai, se eu te pego”.

Um comentário:

  1. Acho admirável a forma singular com a qual o senhor, professor, expressa sua visão de mundo. Passo aqui para agradecer sua nobre atitude de compartilhá-la com seus leitores. Aqui vos fala uma ex-aluna e admiradora do caráter do Professor!

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O poder da frase