domingo, 16 de dezembro de 2012

Galanteios

Sou um simpatizante do movimento feminista, pois acho que a emancipação do homem depende da emancipação da mulher. Mas sou um feminista comedido e crítico. Certas reivindicações do feminismo contêm um radicalismo e uma autossuficiência que parecem produtos do ódio e do ressentimento. Elas encorajam a suposição de que as líderes do movimento são mulheres mal-amadas, que veem na militância uma maneira de se vingar dos homens.
É preciso estar prevenido contra o mau feminismo, que a pretexto de liberar a mulher quer retirá-la de todos os combates com os homens -- inclusive (ou sobretudo) os que se travam no domínio da sedução. Nesse domínio elas têm armas mais poderosas do que as deles e a capacidade de transformá-los, de chefes, em escravos galanteadores.
Uma parte do feminismo discorda disso, com o argumento de que a propalada astúcia da mulher no terreno da conquista amorosa tem sido usada em benefício masculino. Tanto é assim que essa “virtude” comumente se volta contra ela, aparecendo às vezes sob a forma de agressão... Lembrem-se as que menosprezam o jogo da conquista de que nem todo galanteio é assédio; e de que o assédio – em sua obsessiva e desigual persecução – está muito longe da lírica persuasão do galanteio.
O galanteio representa, na verdade, uma evolução de método e ocorreu em função basicamente da mulher. Foi uma conquista dela, apareceu para ela, já que ao homem (hoje e sempre) interessam basicamente os fins, e não os meios. O homem primitivo não perdia tempo com sutilezas. Premido pelo desejo, subjugava a fêmea puxando-a pelos cabelos e consumava o ato. Se ela resista, ele tinha argumentos literalmente de peso como pedras, rebolos, fundas ou o que estivesse à mão. Foi preciso muito tempo e uma outra visão da mulher para que essa forma de conquista evoluísse, primeiro, para o sorriso e a cara simpática – depois, para as fórmulas que, com o intento de seduzi-la, iriam levar em conta a sua vontade.
O galanteio é um apelo e um tributo. Com ele o macho afirma o desejo sem esquecer de lisonjear o objeto. Pela originalidade com que pratica essa lisonja, é que se faz atraente. O galanteio veio substituir os sangrentos combates através dos quais, em épocas passadas, o macho disputava a fêmea. De troféu conquistado com sangue, ela foi passando a motivo e tema de engenhosas expressões, refinando-se como objeto pela delicadeza e argúcia com que era requestada.
Não é à toa que o verbo escolhido para traduzir o apelo de conquista é “cantar”. Cantar uma mulher, mesmo de forma docemente pornográfica, é pedir a ela que venha executar conosco um dueto. É abdicar do solo primitivo e uivante com que o homem das cavernas, subjugando-a, acabava por reduzi-la a um objeto silencioso e inerte.
Pouco importa que o galanteio seja por vezes uma tática em função da qual o homem disfarça suas reais intenções. Talvez o melhor seja mesmo esse conteúdo implícito, que o disfarce torna difuso e atraente só para homenageá-la. Quem dentre elas não gostar de galanteios, queime o primeiro sutiã.

Um comentário:

  1. Ótima cronica Chico! Cantar em dueto fica mais emocionante! Abraços, Solange Visgueiro

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O poder da frase