“Todas as cartas de amor são ridículas”, diz um famoso verso de Fernando Pessoa. Os apaixonados não concordam com isso, mas os indivíduos serenos não deixam de dar razão ao poeta. Para que escrever cartas de amor? Mesmo aceitando que não sejam ridículas, não é difícil perceber a sua inutilidade. Elas ou tomam o lugar do sentimento, ou aparecem como substituto num instante em que ele já não existe. As cartas são curtidas num momento de perda; o que já não é persiste no papel como testemunho do que um dia foi.
Hoje não se escrevem mais cartas de amor. No máximo se manda um e-mail ou uma mensagem no Facebook -- ambos facilmente deletáveis. A facilidade da “borracha” eletrônica é bem um símbolo do imediatismo da nossa época. Ninguém tem mais tempo de ficar horas sobre o papel (ou diante da tela do computador) em busca de imagens que traduzam o que lhe vai na alma sob o influxo de tão complexo sentimento.
Antigamente não era assim. Paixão que se prezava tinha que ter a sua versão literária, escrita com mais ardor do que estilo. No século 18, por exemplo, isso era uma mania entre as pessoas refinadas, que tinham na palavra escrita um instrumento para manter o outro sob o seu jugo. Naquela época, ela era um eficaz meio de conquista. Casanova que o diga; grande parte do seu sucesso com as mulheres vinha da habilidade com que urdia o verbo (“urdir” é bem o termo, pois o célebre conquistador compunha uma teia da qual elas dificilmente conseguiam se livrar).
Se não chegam a ser ridículas, as cartas de amor são pelo menos estranhas. Machado demonstra isso num famoso capítulo de “Memórias Póstumas”. Certa ocasião Cubas se depara numa gaveta com um bilhete em que se dispõe a fazer coisas que lhe soam extravagantes, como pular um muro para se encontrar com alguém. Acha a deliberação fora de propósito e o estilo exagerado, até se dar conta de que o bilhete fora escrito fazia anos e se destinava a Virgília, seu grande amor.
As cartas geralmente são escritas nos momentos de exaltação ou de crise. Ou quando a paixão está no ápice, ou quando se ressente de alguma ameaça que muitas vezes se deve à imperícia dos amantes. Neste caso são frequentes as queixas, as brigas, os pequenos escândalos que se tenta reparar com catadupas verbais, buscando-se com essa torrente apagar a culpa e se refazer diante do outro.
Nem sempre isso funciona, mas fica o doloroso registro da tentativa. Comigo funcionou até certo ponto. Houve um momento em que escrevi muitas cartas desse tipo, buscando me redimir diante de alguém que viria a ser a companheira definitiva. Como ninguém lê o futuro, eu por várias vezes rompi uma relação que tinha tudo para dar certo. As cartas eram uma forma de me justificar e punir.
Um dia, após uma discussão maior, ela perdeu a paciência e as rasgou. Depois, num gesto simbólico, queimou tudo. Na hora sofri muito, pois achava que literariamente elas não eram tão ruins. Depois acabei aceitando; sem a alternativa que representavam, eu ficava sem texto e sem pretexto para brigar de novo. Minha resignação cresceu com o tempo; como aquelas cartas não constituiriam exceção aos versos do poeta, escapei de acrescentar uma boa cota de ridículo a minha vida.
Hoje não se escrevem mais cartas de amor. No máximo se manda um e-mail ou uma mensagem no Facebook -- ambos facilmente deletáveis. A facilidade da “borracha” eletrônica é bem um símbolo do imediatismo da nossa época. Ninguém tem mais tempo de ficar horas sobre o papel (ou diante da tela do computador) em busca de imagens que traduzam o que lhe vai na alma sob o influxo de tão complexo sentimento.
Antigamente não era assim. Paixão que se prezava tinha que ter a sua versão literária, escrita com mais ardor do que estilo. No século 18, por exemplo, isso era uma mania entre as pessoas refinadas, que tinham na palavra escrita um instrumento para manter o outro sob o seu jugo. Naquela época, ela era um eficaz meio de conquista. Casanova que o diga; grande parte do seu sucesso com as mulheres vinha da habilidade com que urdia o verbo (“urdir” é bem o termo, pois o célebre conquistador compunha uma teia da qual elas dificilmente conseguiam se livrar).
Se não chegam a ser ridículas, as cartas de amor são pelo menos estranhas. Machado demonstra isso num famoso capítulo de “Memórias Póstumas”. Certa ocasião Cubas se depara numa gaveta com um bilhete em que se dispõe a fazer coisas que lhe soam extravagantes, como pular um muro para se encontrar com alguém. Acha a deliberação fora de propósito e o estilo exagerado, até se dar conta de que o bilhete fora escrito fazia anos e se destinava a Virgília, seu grande amor.
As cartas geralmente são escritas nos momentos de exaltação ou de crise. Ou quando a paixão está no ápice, ou quando se ressente de alguma ameaça que muitas vezes se deve à imperícia dos amantes. Neste caso são frequentes as queixas, as brigas, os pequenos escândalos que se tenta reparar com catadupas verbais, buscando-se com essa torrente apagar a culpa e se refazer diante do outro.
Nem sempre isso funciona, mas fica o doloroso registro da tentativa. Comigo funcionou até certo ponto. Houve um momento em que escrevi muitas cartas desse tipo, buscando me redimir diante de alguém que viria a ser a companheira definitiva. Como ninguém lê o futuro, eu por várias vezes rompi uma relação que tinha tudo para dar certo. As cartas eram uma forma de me justificar e punir.
Um dia, após uma discussão maior, ela perdeu a paciência e as rasgou. Depois, num gesto simbólico, queimou tudo. Na hora sofri muito, pois achava que literariamente elas não eram tão ruins. Depois acabei aceitando; sem a alternativa que representavam, eu ficava sem texto e sem pretexto para brigar de novo. Minha resignação cresceu com o tempo; como aquelas cartas não constituiriam exceção aos versos do poeta, escapei de acrescentar uma boa cota de ridículo a minha vida.
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