A
Comissão da Verdade, que apura crimes cometidos durante a ditadura militar, vem
colocando frente a frente algozes e vítimas. São debates ásperos, como não
poderiam deixar de ser, marcados por uma emoção que tristemente nos leva de
volta àqueles tempos. Mesmo quem não foi militante, e nem de longe sofreu o que
a maioria das vítimas relata, sente um frio de horror ao conhecer detalhes das
prisões e torturas.
As
revelações vêm provocando uma justa indignação popular e têm estimulado a criação
de comissões semelhantes em vários pontos do país. O que inicialmente ocorria
em âmbito federal tende agora a se multiplicar em estados e municípios. A nação
ganha com isso, pois fazer a crítica dos “anos de chumbo” desperta a
consciência do povo e fortalece a democracia. Mas para que esse ajuste de
contas seja feito de uma maneira eficaz, é preciso evitar exageros.
Um deles é o de sair por aí mudando os
nomes de ruas, praças e outros recantos públicos que homenageiam personalidades
ligadas ao regime militar. É compreensível a rejeição às pessoas, mesmo que nem
todas mereçam a execração pública (Ernesto Geisel, por exemplo, teve um papel
importante na transição para a democracia). Já com os nomes, a história é
diferente. No decorrer do tempo, eles adquirem uma espécie de vida própria.
Deixam de evocar as figuras que pretendiam homenagear e ganham uma nova semântica.
O novo sentido de que se revestem depende sobretudo dos objetos lugares,
eventos que passam a designar. São estes, a partir de certo ponto, que passam a
dimensionar os homenageados.
Vejamos dois exemplos retirados desta
nossa Cidade das Acácias. Quem pensa no marechal baixinho, amigo de Rachel de
Queiroz, quando ouve de alguém que mora em “Castelo Branco”? Ou na mãe do
general que um dia ameaçou “recrudescer”, quando diz que vai ao “Valentina” (um
termo tão desvencilhado de quem pretendia homenagear, que passou ao masculino)?
Praticamente ninguém. Talvez a lembrança dessas pessoas seja despertada agora,
com os debates que irão acontecer e vão obrigar a que se avaliem as suas vidas no
que têm de bom e de mau.
Não concordo com a mudança dos nomes. Eles devem
se manter porque constituem o registro de um momento histórico. Dizem muito
sobre as circunstâncias em que foram escolhidos e, por si, não absolvem nem
glorificam ninguém. Retirá-los não é a melhor forma de fazer justiça; isso cabe
à lei e ao julgamento do povo, que escolhe seus heróis a despeito de placas,
comendas e outros adereços formais.
Considerando-se que valha mesmo a pena a
mudança, que outros nomes botar no lugar?
A decisão sobre isso provocaria um debate infindável e certamente não
satisfaria a todos. Bem mais produtivo do que trocar a designação desses logradouros
é ver como anda a vida das pessoas que neles moram. Elas têm água, transitam em
ruas calçadas, dispõem de saneamento básico? Questões como essas interessam muito
mais ao povo.
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