Comecei a ler Gonzaga Rodrigues ainda
adolescente, quando frequentava o segundo caderno dos jornais em busca de
notícias sobre teatro e cinema. Os suplementos de cultura eram então a minha
praia. Não me interessavam as páginas de opinião, que eu achava sisudas e por
vezes áridas. Faltava-lhes o ingrediente que é a essência da literatura – o estilo.
Uma
boa exceção eram os escritos do “Nêgo”. Lá estavam eles junto dos editoriais e
de um ou outro artigo em que as ideias prevaleciam sobre a forma. Eram um oásis
mas não um refúgio, pois neles era possível se encantar com a mestria verbal
sem se alhear dos problemas da atualidade.
O
papel do cronista é filtrar poeticamente os fatos. Antepor a subjetividade à
discussão das ideias e ao relato frio do cotidiano, mas sem mascará-los num
egocentrismo alienante. Pelo contrário: intensificando-os pelo testemunho e a
emoção. Gonzaga fazia isso como poucos, e desde então passei a acompanhá-lo. Com
o tempo, ele veio a figurar numa galeria para mim seleta, da qual faziam parte
Rubem Braga, Carlinhos Oliveira, Nelson Rodrigues e alguns outros. Todos nascidos
no jornal, mas capazes de elevar a escrita jornalística a um alto padrão estético
e expressivo.
Hoje, que Gonzaga chega aos 80 anos, eu
não podia deixar de me incluir entre os que o homenageiam com entusiasmo. Aprendi
a admirar-lhe não apenas a habilidade
com as palavras, como também a amplitude da sua visão sobre os homens e
as coisas. Pois a verdade é que não há um Gonzaga só. Há o lírico, que procura
regatar as vivências infantis associadas ao interior onde nasceu; o social,
preocupado com as desigualdades que tornam o Brasil um país cruelmente injusto;
o provinciano (no melhor sentido da palavra), que sente como poucos o espírito desta
cidade e continuamente nos alerta para a forma como o progresso está
desfigurando-a; o solidário, capaz de um olhar abrangente e generoso sobre as pessoas
do lugar onde vive.
Certa vez ele me disse que uma coisa
particularmente o frustrava: não fazer ficção. Parecia desencantado por não ter
o fôlego de um Zé-Lins para criar personagens como Viturino Papa-Rabo, o coronel
Zé-Paulino, o moleque Ricardo e tantos outros.
Fiquei me perguntando se não era severo
demais consigo. Se não estaria se lamentando pelo que não fez, e deixando de
considerar o que fez. Pensei nos inúmeros retratos que ao longo do tempo ele vem
pintando em suas crônicas – perfis de amigos, políticos, autoridades, tipos
curiosos da província, antigos senhores de Tambiá e da Rua das Trincheiras. Não
seriam esses os personagens de um romance real, que as antenas do cronista captam
para sublinhar o que têm de único, original, humano?
Se há vários Gonzagas, o que os unifica
é a capacidade de numa imagem, num comentário sutil, numa referência
aparentemente banal, mostrar o que existe de grandioso nas pessoas simples. Essa
é a matéria da grande literatura, que pode estar tanto nos romances quanto em textos
curtos escritos ao sabor das circunstâncias.
O que conta é a intimidade com as
palavras, a agudeza do olhar e a sintonia humana, virtudes que não faltam a quem
é justamente considerado nosso “cronista maior”.
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