O humor se distingue da comicidade
por estar na linguagem. Como tal, possui uma retórica, que orienta sobre alguns
dos procedimentos capazes de levar ao riso. Entre eles se destacam a paródia
(“Os opostos se atracam”) e a enumeração caótica (“Fiz duas operações: uma no
fígado, outra no Banco do Brasil”).
Na comicidade, rimos da situação ou da
figura física; um palhaço, com seu narigão e suas calças largas, é basicamente
um cômico. No humor, rimos do efeito surpreendente produzido pelas palavras. O
inesperado, que pode ou não tender ao absurdo, faz rir.
Uma das mais refinadas formas de humor é
a ironia. Por meio dela, afirma-se uma coisa dizendo o oposto. É talvez a única
figura que depende de um confronto com a realidade para produzir efeito. Se
digo de um homem que ele é “um Brad Pitt”, isto por si não tem graça. Pode até
ser um elogio, se o sujeito for de fato bonito (nesse caso, terei usado uma
imagem metafórica).
A ironia está em a designação se aplicar
a alguém baixinho e feioso. É a distância entre o comparado e o comparante
(Brad Pitt) que faz ir. A ironia é uma metáfora sem nexo, ou melhor, uma
metáfora em que o chamado “nexo dos atributos” é na verdade uma antítese. Ou um
paradoxo.
Trata-se de um recurso muito temido pelo seu poder
de depreciação. Sua força vem de nunca verdadeiramente a gente saber se o autor
está dizendo a verdade. Tem gente que é objeto de uma ironia e passa horas em
casa ruminando, buscando entender se o que ouviu era sincero ou não. Esse é o
gozo do ironista, que no fundo se delicia com as dúvidas do ironizado.
Outro curioso recurso de humor é o que
se pode chamar de “reconversão ao literal”.
Esse processo parece ir de encontro ao princípio que norteia os desvios
estilísticos, qual seja, o de que o efeito expressivo resulta de uma ruptura
com os sentidos cristalizados, convencionais. Na regressão ao literal, o efeito
vem justamente do percurso oposto.
Pare entendê-la, consideremos que há
dois momentos: o primeiro, em que se constrói a imagem. O segundo, em que ela
perde o valor de imagem (já transformada em clichê) e volta a significar “de
acordo com a letra”. A surpresa que isso
provoca faz rir.
Os exemplos são muitos. Um dos mais conhecidos
é o da velha piada: “Pedro caiu na fossa”. “Morreu?” “Não. Escapou fedendo”. Nessa
passagem, “escapar fedendo”, que virou lugar-comum, sofre uma súbita
atualização. O fato de haver mesmo o mau cheiro desautomatiza a percepção
linguística de maneira análoga à que ocorreu no primeiro momento, quando se
construiu a imagem.
Efeito semelhante ocorre em “ficar de
nariz empinado” ou “empurrar com a barriga”, expressões cujo significado automatizamos.
É possível chamar a atenção para elas dizendo frases do tipo: “Depois que fez
plástica, vive de nariz empinado” ou “Arranjou uma gravidez indesejada. Agora vai
ter que empurrar com a barriga”. A ambiguidade faz com que o clichê deixe de
ser apenas “força de expressão”.
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