Na próxima sexta-feira, a Academia Paraibana de Letras lança edição
comemorativa dos 100 anos do “Eu”. A publicação teve o apoio do Senado Federal
e só se tornou possível graças ao empenho do senador Cássio Cunha Lima. Em nota
introdutória, o acadêmico Gonzaga Rodrigues justifica a participação da APL lembrando
que “a Academia paraibana descortinou em Augusto dos Anjos a iluminação mais convincente
para legitimar a fundação da entidade. É ele o numero 1 da sua galeria de
patronos”.
O texto desta nova
edição vem acrescido das “outras poesias” recolhidas por Órris Soares e reproduz
o da trigésima primeira, estabelecido por Antônio Houaiss em edições anteriores.
Nele o filólogo procura esclarecer determinados conceitos (ligados sobretudo à
filosofia e à ciência) e fixar a grafia dos vocábulos pouco usuais em que é
rica a poesia do paraibano. Esse trabalho concorreu para fixar o corpus
literário de Augusto – uma empreitada que teria o seu coroamento com a
publicação, pela Nova Aguilar, da Obra Completa organizada por Alexei Bueno.
A edição que ora vem
a público não traz as notas nem o estudo crítico de Houaiss; justifica-se
sobretudo pelo interesse em homenagear o poeta e aproximá-lo mais ainda do
público. Como contribuição à crítica, traz um ensaio no qual a professora
Ângela Bezera de Castro, entre outros pontos, procura definir o papel de Órris no
estabelecimento da edição de 1920. Ela sublinha que “o mais marcante de Órris
Soares em relação à poesia de Augusto foi o gesto” – o gesto de reunir o que o
poeta produziu de relevante após 1912, como o soneto “Eterna mágoa”, que se tornou
importante para a avaliação da sua obra.
A poesia de
Augusto, quanto mais é lida, mais desafia a compreensão do leitor comum e da
crítica. Provoca e ao mesmo tempo fascina. Já se observou que ela é única,
constitui um “caso” (inclusive no sentido médico). Infelizmente esse tipo de
caracterização, que põe o foco no homem, pouco diz sobre os textos. Na melhor
das hipóteses, alimenta uma curiosidade que o inusitado das imagens e das
escolhas vocabulares só faz aumentar.
A lírica do paraibano é barroca no espírito e
expressionista na forma. Alimenta-se de dualismos (filosóficos, científicos, morais)
e de um excesso formal que a faz se aproximar das telas de Edvard Munch (“O grito”,
com aquele personagem acuado sobre a ponte, parece uma ilustração dos versos
iniciais de “As cismas do Destino”). É também, com o excesso de idealização e subjetividade,
uma poesia neorromântica. Ao mesmo tempo, pelo que incorpora do trivial e do degenerado,
antecipa nossa modernidade literária.
Augusto lamenta a perda do sublime, que se
confunde com o homem em sua edênica pureza. Nos versos do paraibano a mediação entre
a sublimidade e o grotesco se faz pela representação fraturada do corpo, cuja
morbidez traduz o horror de uma consciência marcada pela culpa. Uma culpa
atávica e imemorial, para cuja remissão seria preciso resgatar uma
espiritualidade que o materialismo e o cientificismo pareciam radicalmente
ameaçar.
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