Eu
me lembro da missa das 19h na catedral, aonde eu ia todo domingo com a minha
mãe. Nesse tempo eu rezava muito e pedia a Deus que protegesse as pessoas da
família. Se assistisse à missa com atenção, e comungasse, eu poderia alcançar
essa graça. Eu me lembro de que na volta passávamos pela Maciel Pinheiro, onde
circulavam muitos rapazes e moças – alguns namorando ou se preparando para
isso. Meu sonho era crescer logo para ser um deles.
Eu me lembro da primeira crise de asma,
que ocorreu após uma viagem de trem na qual respirei muita poeira. De noite
veio o “puxado”, como chamavam, e tive que ir ao hospital tomar nebulização e Coramina
Efedrina. Eu me lembro de que certa vez meu pai teve de chamar um táxi, que rodou
pela cidade enquanto eu, com a cabeça fora da janela, buscava aspirar o ar frio
da madrugada.
Eu me lembro de assistir à gravação de
um capítulo d’As aventuras do Flama. O programa ia ar no momento em que era
gravado, e para fazer o som de tiros, brigas ou corridas de cavalos os atores
usavam os pés ou batiam em objetos. Eu me lembro de que o locutor que narrava a
história não entendeu o script e confundiu o nome do Dr. Satã. Disse outro
nome, esquisito, que me deu uma enorme vontade de rir. O elenco, falando baixinho
e com gestos, procurava lhe indicar a pronúncia correta.
Eu me lembro de ir sozinho até quase ao
fim da Rua da Floresta, onde morava a minha primeira professora. Chamava-se
Edna e dava aulas particulares. Eu não gostava muito porque tinha dificuldades
com matemática, mas valia o passeio. Eu
me lembro de que no caminho passava pela casa de Seu Tiago, pai de Céu e Marli,
que eram professoras, amigas de meus pais, e me chamavam de Guego (“Nego” era o
apelido em família). Eu me lembro de que nessa rua levei um dos maiores sustos
da minha vida; ao voltar da aula fui encurralado por Baleia, uma doida que
chamava palavrões e corria atrás dos meninos que gritavam o seu nome. Eu nunca
tinha feito isso, mas ela cismou de me seguir. Depois de correr muito consegui chegar
em casa; estava branco, o coração acelerado. Passei um bom tempo sem querer ir
à rua.
Eu me lembro das aulas de acordeom com
Valdeci Colaço, que morava pouco depois da sede do Campinense Clube (eu passava
por ali de má vontade, pois era trezeano). Carregar o instrumento era mais
difícil do que tocá-lo. Com o tempo aprendi uma valsinha, que começava com “Dois
corações...”, e os acordes de “Cai, cai, balão”. Eu me lembro de que me inscreveram
para tocar a valsa no Clube Papai Noel, um programa de auditório na Rádio Borborema.
Resisti o quanto pude, mas terminei subindo ao palco. Mal conseguia encarar a
plateia. Acabei me saindo bem e até fui aplaudido.
Eu me lembro das caminhadas pela Getúlio
Vargas rumo ao Colégio Pio XI. Gostava de passear pelos corredores e via quando
um funcionário tocava o sino indicando a hora do recreio. Então eu corria para
a cantina, onde uma negra chamada Lídia atendia os alunos e me deixava entrar
para comer e beber à vontade. Era um privilégio de sobrinho do diretor. Eu me
lembro de uma noite em que fui acordado, no sobradinho da rua Vidal de Negreiros,
pelos gritos de “Queremos João Viana!”. Eram alunos que tinham entrado em greve
porque o prefeito demitira meu pai de todos os seus empregos. Foi uma época
difícil, em que as costuras da minha mãe garantiram a feira.
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