O mundo acompanha estarrecido a dor dos
parisienses, que ainda não se refizeram dos ataques ocorridos na sexta-feira,
13 (a data parece ter sido escolhida a dedo). A cidade-luz permanece envolta em
sombras e não se sabe por quanto tempo assim vai ficar, pois a perspectiva é de
que haja outros ataques. Viver na iminência de novas explosões será a dura
prova que eles terão de suportar nos próximos meses.
A TV vem mostrando à exaustão as imagens
dos atentados: pessoas correndo, em pânico; corpos dilacerados envolvidos em
lençóis; familiares chorando depois de confirmar seus mortos. O pior é a
sensação de que o que aconteceu era inevitável. Nunca dá para saber onde as
bombas vão estar, de modo que é inútil tentar fugir delas. A única medida
eficaz para isto seria não sair às ruas, o que é impossível especialmente para os
habitantes da cidade que popularizou a figura do flâneur (o andarilho urbano).
O terror é cego, ilimitado, e não
discrimina os alvos da sua causa obscura. O ódio que sente pelo ser
humano só lhe permite distribuir as pessoas em dois grupos: o dos que estão com
ele e o dos que o combatem. Não há coerência nem piedade na escolha das
vítimas. É como o pai que pune o filho rebelde e deixa incólume o mal-educado.
Isso é injusto e provoca indignação, mas é mesmo a indignação que o terror
procura despertar.
Investigações revelaram que pelo menos
três dos terroristas mortos tinham cidadania francesa. Esse é um dado
assustador, pois mostra que de nada adiantará fechar as fronteiras. O inimigo
não está fora, vive no próprio país. Sabe-se que muitos jovens franceses se bandearam
para o lado dos terroristas e com eles aprenderam as táticas com que costumam
dizimar seus inimigos. Antes passaram por uma doutrinação que não seria
possível se esses jovens não estivessem vazios de valores e ideais. Na falta do
que seguir, abraçam qualquer doutrina que acene com uma vida de aventuras e
conquista do poder. Os jovens são particularmente sensíveis a esse tipo de
apelo.
A França se orgulha de rejeitar tudo que
limite o direito à expressão. É a pátria do livre-pensamento, berço de Rousseau
e Voltaire -- o primeiro, criador do individualismo moderno; o segundo, um
crítico ferino dos dogmas que entravam o exercício da razão. Tanta liberdade,
contudo, não tem sido capaz de reter esses jovens, que trocam o legado iluminista
pelo obscurantismo e a intolerância.
Há alguns meses a França passou por
trauma semelhante, com o assassínio dos jornalistas do Charlie Hebdo, e
promoveu uma bela manifestação cívica. Nela houve discursos e se cantou a
Marselhesa. Os disparos inimigos despertaram um fervor patriótico que parecia
blindar a nação contra o que mais pudesse vir.
Infelizmente não basta a retórica para impedir a
progressão do terror. De nada adiantam os discursos se eles não vêm
acompanhados de medidas eficazes para prevenir novos atentados. A tragédia que
o país está vivendo prova isso. O presidente François Hollande enfim mudou o
tom; falou em atividade de guerra e na necessidade de uma vigilância constante.
Este vai ser o cenário dos próximos meses.
Nenhum comentário:
Postar um comentário