terça-feira, 1 de dezembro de 2015

A crise

 Millôr escreveu que dinheiro não é tudo, tudo é a falta de dinheiro. Em tempos de crise econômica é fácil confirmar isso. A crise não afeta igualmente a todos; vai limitando as possibilidades de cada um conforme a classe social. Só escapam os muito ricos, para quem as perdas decorrentes da inflação alta são irrisórias.
            O pessoal da classe média está cortando viagens e restaurantes. Quem pretendia ir à Europa tem que se conformar e fazer turismo por aqui mesmo. Estâncias mineiras em vez de lagos suíços; Gramado em lugar de Amsterdam; também vale trocar Ibiza por Porto de Galinhas. Não que as opções brasileiras sejam inferiores, mas elas contrariam nossa tendência a valorizar o estrangeiro. Além disso, paisagens longínquas e exóticas são mais interessantes para expor no Facebook e “matar de inveja” os amigos. 
         Ainda se dê por feliz quem pode viajar por terras brasílicas. Há quem se veja constrangido a ficar em casa, já que os gastos com viagens estão muito além de suas possibilidades orçamentárias. Tal opção é sempre um risco; aproxima as pessoas, mas também produz o efeito oposto. A monotonia pode despertar ou acirrar brigas familiares. Certa vez uma amiga com longa quilometragem de casamento comentou que não tinha graça viajarem só ela e o marido; imagine o que é ficarem os dois o tempo todo em casa. As viagens arejam as relações; a imobilidade as azeda.
       O efeito mais cruel da crise é o desemprego, que segundo estatísticas vai alto. Li que o Brasil perdeu 169 mil vagas de trabalho em outubro, e que esse número é o maior desde 1992. Quem tem sorte encontra outra ocupação e a ela se aferra mesmo ganhando menos (melhor pouco do que nada); quem não tem vai precisar da ajuda de parentes ou fazer empréstimos. 
        Não faz muito tempo, o Brasil se orgulhava de haver tirado muita gente da penúria social. Dizia-se que um contingente expressivo de pessoas entrara na classe média. Muitos que moravam em barracos passaram a ter casas na cidade e outros que ficaram na favela receberam ajuda para abrir seus pequenos negócios. A televisão, em mais de uma reportagem, mostrou a alegria desses pequenos emergentes. Agora a crise ameaça empurrá-los de volta, se não para a miséria, para um patamar dela muito próximo.
O que deu errado? Isso é o que se discute em meio a um debate político de proporções poucas vezes vistas. Infelizmente o que tempera esse debate, o que lhe confere um especial élan, não é a troca de ideias mas a atribuição recíproca de responsabilidades. Muitos parlamentares estão envolvidos em acusações de propina, lavagem de dinheiro, contas secretas na Suíça. O temor de perder os mandatos e as respectivas imunidades se sobrepõe às preocupações com o país.
       O povo acompanha essas discussões entre perplexo e indignado, esperando que se pare o bate-boca e se faça algo concreto para mudar a situação. Não o consola a possibilidade de dar uma resposta nas urnas, pois encara as eleições com ceticismo; nada mudou nem vai mudar. Ele quer é escapar do abismo que o espreita e a cada dia parece inevitável, e mais profundo.

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O silêncio do inocente