Millôr escreveu que dinheiro não é tudo,
tudo é a falta de dinheiro. Em tempos de crise econômica é fácil confirmar
isso. A crise não afeta igualmente a todos; vai limitando as possibilidades de
cada um conforme a classe social. Só escapam os muito ricos, para quem as
perdas decorrentes da inflação alta são irrisórias.
O pessoal da classe média está
cortando viagens e restaurantes. Quem pretendia ir à Europa tem que se
conformar e fazer turismo por aqui mesmo. Estâncias mineiras em vez de lagos
suíços; Gramado em lugar de Amsterdam; também vale trocar Ibiza por Porto de
Galinhas. Não que as opções brasileiras sejam inferiores, mas elas contrariam
nossa tendência a valorizar o estrangeiro. Além disso, paisagens longínquas e
exóticas são mais interessantes para expor no Facebook e “matar de inveja” os
amigos.
Ainda se dê por feliz quem pode viajar
por terras brasílicas. Há quem se veja constrangido a ficar em casa, já que os
gastos com viagens estão muito além de suas possibilidades orçamentárias. Tal
opção é sempre um risco; aproxima as pessoas, mas também produz o efeito
oposto. A monotonia pode despertar ou acirrar brigas familiares. Certa vez uma
amiga com longa quilometragem de casamento comentou que não tinha graça
viajarem só ela e o marido; imagine o que é ficarem os dois o tempo todo em
casa. As viagens arejam as relações; a imobilidade as azeda.
O efeito mais cruel da crise é o
desemprego, que segundo estatísticas vai alto. Li que o Brasil perdeu 169 mil
vagas de trabalho em outubro, e que esse número é o maior desde 1992. Quem tem
sorte encontra outra ocupação e a ela se aferra mesmo ganhando menos (melhor
pouco do que nada); quem não tem vai precisar da ajuda de parentes ou fazer
empréstimos.
Não faz muito tempo, o Brasil se
orgulhava de haver tirado muita gente da penúria social. Dizia-se que um
contingente expressivo de pessoas entrara na classe média. Muitos que moravam
em barracos passaram a ter casas na cidade e outros que ficaram na favela
receberam ajuda para abrir seus pequenos negócios. A televisão, em mais de uma
reportagem, mostrou a alegria desses pequenos emergentes. Agora a crise ameaça
empurrá-los de volta, se não para a miséria, para um patamar dela muito
próximo.
O que deu errado? Isso é o que se
discute em meio a um debate político de proporções poucas vezes vistas. Infelizmente
o que tempera esse debate, o que lhe confere um especial élan, não é a troca de
ideias mas a atribuição recíproca de responsabilidades. Muitos parlamentares
estão envolvidos em acusações de propina, lavagem de dinheiro, contas secretas
na Suíça. O temor de perder os mandatos e as respectivas imunidades se sobrepõe
às preocupações com o país.
O
povo acompanha essas discussões entre perplexo e indignado, esperando que se
pare o bate-boca e se faça algo concreto para mudar a situação. Não o consola a
possibilidade de dar uma resposta nas urnas, pois encara as eleições com
ceticismo; nada mudou nem vai mudar. Ele quer é escapar do abismo que o
espreita e a cada dia parece inevitável, e mais profundo.
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