domingo, 20 de março de 2016

Do baú (10)

Ao escrever, aja sem cerimônia. A cerimônia faz o escritor “se encher de dedos” e não definir o que quer dizer. Ela se liga à angústia da perfeição, que não paralisa só o ato de escrever (querer ser perfeito é um obstáculo em todos os domínios da vida). Freud liga essa angústia ao ideal do ego, que constitui a matriz do chamado superego (instância censora que leva ao sentimento de culpa).
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Ficou claro nas manifestações do último domingo que o povo quer honestidade. Ninguém aguenta mais a corrupção, que nos últimos anos chegou a um nível intolerável. Isso explica a ostensiva presença da imagem do juiz Moro em cartazes, banners, faixas. O povo já começou a mitificar o homem, que vem aparecendo como uma espécie de justiceiro implacável. Ponderemos, no entanto, que como em toda mitificação há também nessa um exagero. Moro não age só, não decide prender ou soltar conforme seu humor. É um juiz e, como tal, prolata (é esse mesmo o verbo) suas sentenças com base nos fatos.    
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As cerimônias de casamento seriam mais honestas se, diante do padre, os noivos trocassem o “sim” pelo “talvez”. Como isso não ocorre, grande parte deles é levada a iniciar a vida conjugal com uma mentira.
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A depressão caracteriza-se por uma defecção (abandono) do ser.  Depois que o indivíduo sai da crise, imagina não ser mais o que era. Sente a identidade como um fio tênue, que a custo lhe assegura a autopercepção. Ressente-se de plenitude. Um dos apelos patéticos que o depressivo faz a si mesmo ou a quem tenta ajudá-lo é: quero ser eu de novo.
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Não se deve elogiar um livro pensando mais no autor do que na obra. Isso explica por que a convivência, ou mesmo a proximidade, é inimiga da boa crítica. Nossa hipocrisia, por sinal, vem de que não temos uma cultura que estimula a crítica. Resultado: distribuímos elogios por generosidade ou, o mais comum, por constrangimento.
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O ódio do preconceituoso é diretamente proporcional à superficialidade dos motivos que o inspiram. A consciência disso o faz intensificar o sentimento de rejeição ao outro; tal sentimento em boa parte se alimenta do ódio a si mesmo. É um pouco como no ciúme doentio; o ciumento se detesta por reconhecer a própria insegurança e vinga-se dessa fraqueza no outro.
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É impossível negar o poder corruptor do capitalismo. Ele é tão forte que atua mesmo nos seus inimigos declarados. O Brasil atual é um ótimo exemplo disso. Direita ou esquerda... Pouco importa se o dinheiro do povo é roubado com uma ou outra mão. O estrago é o mesmo. 

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