Queridos filhos:
Amanhã é o Dia dos Pais, e deverei receber presentes
de vocês. Não posso fazer exigências, pois reconheço que não sou um pai
exemplar (mas quem o é?). Às vezes fico muito tempo ausente e não posso lhes
dar a atenção devida; noutras ocasiões me torno excessivo, ralhando e até
batendo (uns tapinhas moderados, é verdade, que procuram mais corrigir do que castigar.
Nunca ninguém aqui precisou apelar para a Lei da Palmada). Enfim, esse é o meu papel. Espero que me
compreendam e perdoem.
O que pretendo por meio desta cartinha, se me
permitem, é fazer um pedido a respeito do que vão me dar. Sei que a boa vontade
de vocês é grande, e a grana é curta (mesmo porque sou um tanto avaro nas
mesadas), mas com esforço e alguma imaginação é possível fugir ao comum em
todos esses anos. Cuecas, por exemplo. Trata-se inegavelmente de um artefato
útil, higiênico e necessário – mas já notaram como eu tenho uma porção delas, a
maioria ganha justamente no Dia dos Pais? Pensei até em mudar o nome dessa data
para Dia das Cuecas. Abram minha gaveta e vejam vocês mesmos. Eu não usaria o
que está ali nem que vivesse tanto quanto Matusalém (e olhem que o meu velho
corpo já apresenta algumas avarias!).
E meias?! Nada contra meias, pelo contrário: gosto sobretudo
quando elas combinam com os sapatos (embora nem sempre os dois entrem em
acordo). Até me recusei, quando era jovem, a usar sapatos sem meias embora isso
na época fosse um sinal de rebeldia e eu me achasse um rebelde. Esqueçam as
meias. E também os desodorantes. Já ganhei tantos, que pensei que vocês
estivessem me mandando um recado. Talvez achassem que eu cheirava mal e, por
delicadeza, quisessem que eu percebesse isso de forma indireta; daí me
presentearem com frascos e tubos de desodorantes (alguns, perdoem-me a franqueza,
tão ruins que só fariam piorar a inhaca).
Não tenho propostas concretas. Tudo que eu quero é que
usem um pouco de imaginação e variem as escolhas. Se vierem com cuecas, meias
ou desodorantes eu não recusarei, claro. Apenas ficarei triste e com mais
problemas para resolver. Onde ia colocar esses objetos? Eu teria que transferir
a incumbência à mãe de vocês, que iria ralhar comigo e me chamar de ingrato (esquecendo-se
dos presentes que ganha, bem mais interessantes do que os meus. Mas entendo;
afinal, mãe é mãe).
Espero que essa carta os sensibilize. Para terminar,
um último pedido: não precisa me dar coisas caras, pois sei bem de onde sai o
dinheiro para pagar a fatura. Pesquisando um pouco, é possível comprar bons
presentes pelo preço daqueles que vocês costumam me ofertar. Ou será que não?
Um beijo deste pai que os ama.
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