sábado, 8 de outubro de 2016

Diminutivos

        Poucas coisas são tão engenhosas na língua quanto o diminutivo. Ele não é apenas uma medida de tamanho ou de valor; é sobretudo uma forma de nos colocarmos no mundo. Uma estratégia de convivência, um meio de nos relacionarmos com as pessoas. Sem o diminutivo teríamos que enfrentar tudo em grau normal, quer dizer, na crua dimensão da realidade.
       O diminutivo é tão importante que merecia uma ode (está bem... uma “odezinha”). Ele é por excelência um recurso de abrandamento que nos torna mais simpáticos. O burocrata não pode ou não quer atender alguém e diz, para encorajá-lo a se manter sentado: “Um momentinho.” Esse momentinho, claro, pode se desdobrar em minutos e até horas. Mas o diminutivo ecoa no tempo de espera como um pedido de desculpas. Não dá para ter raiva de quem foi delicado conosco.
       Comumente o diminutivo traduz afetividade. Dele abusam os namorados quando se dirigem aos seus “queridinhos” e “queridinhas”. E as crianças se derretem diante dos “bichinhos” de estimação. Vinicius, que o Brasil ama, ficou conhecido como “o Poetinha” (por sinal, ele deve agora estar tomando um “uisquinho” em companhia de algum anjo).
      Outro efeito do diminutivo, e que está registrado nas gramáticas e manuais de estilo, é o de depreciação. Se um filme não presta, diz-se que é um “filminho” mesmo que ele se arraste além do tempo normal. Ou justamente por isso, pois nesse caso a longa metragem o faria ainda mais insuportável.
       Em grande parte das vezes, o diminutivo é apenas o invólucro de um conteúdo ameaçador. Se a sua mulher diz que está louca por um “vestidinho” que viu em tal vitrine, prepare-se para a má notícia: ele não custa menos de R$ 1.000,00! E quando o dentista diz que não vai doer, é só uma “picadinha”? Por acreditar nisso quando era pequeno, acabei traumatizado. Hoje não suporto dentistas, sobretudo os que nos enganam com diminutivos. São uns... “dentistinhas”.
       O diminutivo pode ser ainda um recurso de falsa modéstia. O escritor fala do seu “livrinho” diante dos colegas, mas no fundo o considera uma obra-prima. Talvez, quem sabe, lhe renda um “premiozinho” (e por que não o Nobel?). O ricaço compra um modelo sofisticado de automóvel e, para nos humilhar, chama-o de “carrinho”.
     Também se usa o diminutivo como um recurso de intensificação ou, dizendo melhor, de esmiuçamento. O filho aprontou alguma na escola e quando chega em casa ouve da mãe, que está uma fera: “Agora me conte o que houve. Tudinho”. “Tudinho” é tudo mesmo, sem lacunas nem disfarces. E o guri, se for inteligente, detalhará o que aconteceu para evitar umas “palmadinhas” (ou mesmo umas palmadas, pois ainda há pais e mães que não têm medo de ser denunciados).
       O diminutivo se popularizou numa época em que é cada vez mais difícil ter um vidão – ou mesmo uma vida. São tantas as restrições e os perigos, que à maioria de nós cabe mesmo uma “vidinha”. E para não sucumbirmos, a saída é dar um “jeitinho” em tudo. O “jeitinho”, que hoje é uma marca do nosso caráter, indica o reconhecimento de que nada se resolve de fato mas nem por isto se deve perder a esperança. Há sempre uma “luzinha” no fim do túnel. Se não quer brilhar para nós, sempre é possível dar uma piscadinha para ela.  
       Mas vejo que está na hora de terminar esta “croniquinha”, para não receber do leitor um... palavrão!

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O silêncio do inocente