sábado, 4 de fevereiro de 2017

Divagando se vai longe (4)

Fiz até o quarto ano de Medicina. Quando pagava Psiquiatria, o professor levou a turma para ouvir o depoimento de um paciente que saía de uma crise psicótica.
O paciente não estava totalmente curado, mas tinha alguma consciência do que passara. Contou uma série de detalhes que eu já esqueci.  Mas me lembro do que disse para explicar como se livrara de um delírio: “Torei a escuridão”.
 “Torar a escuridão”. Isso é uma imagem (uma representação figurada), mas ele lhe atribuía um sentido literal. Explica-se: o psicótico não sonha nem metaforiza (é a chamada delusão). Para ele, “torar a escuridão” é mesmo quebrar alguma coisa escura...
 Isso me fez pensar que a loucura é uma poesia doente, assim como a poesia é uma loucura sã.
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Precisava mostrar a cela onde Eike vai dormir e o fosso onde ele faria suas necessidades? Os presos comuns sempre enfrentaram condições degradantes e ninguém teve curiosidade por isso. Talvez mandar mais ex-milionários para a cadeia ajudasse a melhorar as condições carcerárias do País... Fica a proposta.
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A imagem é o ingrediente fundamental da poesia, que se define como um discurso por imagens. Mas ela também aparece na prosa e mesmo no discurso cotidiano, informal. Um dos seus papéis, nesse caso, é concretizar noções abstratas.
Quando explico isso em classe, costumo dar como exemplo um instrutor de autoescola que quer mostrar ao aluno a melhor maneira de segurar a direção. Ele pode dizer mais ou menos o seguinte: “Considere que a direção é uma esfera cortada por duas linhas, uma longitudinal e outra transversal. Suas mãos devem se apoiar na parte superior dessa esfera e se afastar cerca de 10 graus do eixo longitudinal...”.
O aluno, claro, não ia entender coisa nenhuma e talvez procurasse outra autoescola.
Suponha agora que, em vez daquela explicação abstrata, o instrutor disesse: “Dirija em dez e dez”. Pronto. Fez-se a luz. A analogia com os ponteiros do relógio marcando dez e dez dá ao aluno a imagem nítida, concreta, de como ele deve posicionar as mãos no volante.
         Só de teimoso ele vai, por exemplo, dirigir em “seis e meia”... Mas aí a culpa já não será do instrutor.

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