A internet potencializou a
fofoca. A fofoca não é novidade, claro; sempre houve pessoas que precisam
depreciar os outros para se sentir melhores. Mas antes a vida alheia era objeto
de comentários discretos. Havia certo pudor do fuxico. Hoje a maledicência é
propaganda sem limites nas redes sociais. E a coisa piora devido ao
distanciamento propiciado pelo universo virtual. Na conversa frente a frente é
mais difícil deixar de lado o escrúpulo, pois o interlocutor está diante de
nós. Mas isso não ocorre quando o outro é uma presença remota, e falta o olho
no olho.
****
Recentemente vi na
televisão uma mulher fazer o nome do pai antes de assaltar uma joalheria. Não
foi a primeira vez que assisti a cenas desse tipo, envolvendo até crimes mais
graves. O indívíduo invoca sinceramente a proteção divina, pois vai correr
riscos e pretende sair incólume da aventura. Espera a proteção de Deus mesmo se
dispondo a fazer algo errado e prejudicar o outro. O fato é que o apelo dessa
pessoa é tão legítimo quanto o de quem reza para fazer o bem (ou afastar o mal).
O ser humano molda a crença religiosa aos seus propósitos. O pior dos
malfeitores pode se sentir interiormente fortificado por achar que Deus o
acompanha e protege. A condição para isso é ter fé.
****
O democrata se curva à vontade do povo. O demagogo curva o povo à sua
vontade, dando a impressão de que age em prol do bem público. A arma do
demagogo é a ideologia, que tem força de religião e lhe confere uma aura de
santidade. Nimbado dessa auréola, ele ganha uma espécie de imunidade moral.
Pode mentir, roubar, se corromper, que sempre vai encontrar quem o defenda.
Afinal, não existe orfandade mais dolorosa do que a do mito, cuja perda deixa
os devotos na mais profunda solidão.
****
Ornitólogo me propôs um roteiro turístico. Começava com Patos, depois
vinha Canárias, por fim Guiné. Ora pombas! É melhor ele recolher as asinhas,
pois isso não cabe no meu bico.
****
Há uma diferença entre ser aborrecido
por alguém e aborrecer-se com alguém. No primeiro caso existe uma ação
proposital. Somos vítimas de quem voluntariamente quer nos aporrinhar. No
segundo, importunamo-nos com o outro sem que ele faça nada para isso. Certos
traços do seu comportamento ou da sua maneira de ser nos importunam – e
acabou-se. Na segunda situação a culpa é mais nossa do que dele, que não deixa
de ser vítima da nossa intolerância.
Nenhum comentário:
Postar um comentário