quinta-feira, 4 de abril de 2019

O ministro e o Sabiá


O ministro Moro tem sido alvo de severas críticas por haver alterado a pronúncia da palavra “cônjuge”. Ele suprimiu a sílaba medial desse vocábulo, dizendo “conge”. Esse fenômeno tem nome; chama-se haplologia, que é a supressão de sílaba parecida ou igual. Ocorre, por exemplo, em “bondoso”, que deveria ser pronunciado “bondadoso” (bondade mais o sufixo oso) ou “idolatria”, cuja pronúncia deveria ser “idololatria” (ídolo mais latria).
A haplologia sintoniza-se com o anseio popular de simplificação linguística. É fruto da associação entre a lei do menor esforço e a busca por eufonia. “Cônjuge”, vamos convir, é uma palavra “feia”. Foi até objeto de gozação por Rubem Braga. Numa de suas crônicas, o Sabiá escreveu mais ou menos o seguinte (cito de cor): “Quando a mulher descobre que o seu marido é seu cônjuge, coitado dele.” O povo tende a rejeitar essa palavra, que é comum no jargão jurídico. Por isso, aliás, seria estranho que Moro (um homem do Direito) já não tivesse se deparado com ela e não a tivesse usado.
Efeito contrário ao da haplologia ocorre na epêntese, que é o acréscimo de fonema no interior do vocábulo. Há quem, por exemplo, pronuncie “corrupição” (Millôr escrevia assim quando queria ironizar nossas vãs tentativas de combater os corruptos). O motivo para esse tipo de acréscimo é a hipercorreção, também uma tendência popular; é comum nos que acham que “falar difícil” é falar bem.
Se há uma auspiciosa novidade nesse episódio envolvendo Moro é a preocupação dos seus críticos com o bom uso da língua. Antes eles achavam que o respeito à norma culta era coisa “das elites”. Tanto que defendiam as transgressões normativas de políticos e líderes populares. Para serem coerentes, não deverão mais aceitar os solecismos de regência e as inadequações semânticas que tais figuras públicas costumam produzir. Isso é bom. Talvez um pouco de pureza vernácula em nossa política compense as (inúmeras) impurezas que a deterioram.
Quanto ao ministro, aceito que ele continue mudando a prosódia dos vocábulos desde que se mantenha firme na cruzada contra a corrupição, digo, a corrupção.

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A esquecida