O ministro Moro tem sido alvo de severas
críticas por haver alterado a pronúncia da palavra “cônjuge”. Ele suprimiu a
sílaba medial desse vocábulo, dizendo “conge”. Esse fenômeno tem nome; chama-se
haplologia, que é a supressão de sílaba parecida ou igual. Ocorre, por exemplo,
em “bondoso”, que deveria ser pronunciado “bondadoso” (bondade mais o sufixo oso)
ou “idolatria”, cuja pronúncia deveria ser “idololatria” (ídolo mais latria).
A haplologia sintoniza-se com o anseio
popular de simplificação linguística. É fruto da associação entre a lei do
menor esforço e a busca por eufonia. “Cônjuge”, vamos convir, é uma palavra “feia”.
Foi até objeto de gozação por Rubem Braga. Numa de suas crônicas, o Sabiá
escreveu mais ou menos o seguinte (cito de cor): “Quando a mulher descobre que
o seu marido é seu cônjuge, coitado dele.” O povo tende a rejeitar essa
palavra, que é comum no jargão jurídico. Por isso, aliás, seria estranho que
Moro (um homem do Direito) já não tivesse se deparado com ela e não a tivesse
usado.
Efeito contrário ao da haplologia ocorre
na epêntese, que é o acréscimo de fonema no interior do vocábulo. Há quem, por
exemplo, pronuncie “corrupição” (Millôr escrevia assim quando queria ironizar
nossas vãs tentativas de combater os corruptos). O motivo para esse tipo de
acréscimo é a hipercorreção, também uma tendência popular; é comum nos que
acham que “falar difícil” é falar bem.
Se há uma auspiciosa novidade nesse
episódio envolvendo Moro é a preocupação dos seus críticos com o bom uso da
língua. Antes eles achavam que o respeito à norma culta era coisa “das elites”.
Tanto que defendiam as transgressões normativas de políticos e líderes
populares. Para serem coerentes, não deverão mais aceitar os solecismos de
regência e as inadequações semânticas que tais figuras públicas costumam produzir. Isso é bom.
Talvez um pouco de pureza vernácula em nossa política compense as (inúmeras)
impurezas que a deterioram.
Quanto ao ministro, aceito que ele
continue mudando a prosódia dos vocábulos desde que se mantenha firme na
cruzada contra a corrupição, digo, a corrupção.
Prezado Chico; Parabéns pelo seu texto que haverá de calar os beócios.
ResponderExcluirObrigado pela leitura!
Excluir