O verbo f*oder entrou na moda, impulsionado pelo
best-seller de Mark Manson. O sucesso de “A arte de ligar o f*oda-se” (estou
lendo o segundo, “F*deu geral”, que por sinal é muito bom) desencadeou uma
série de imitações, geralmente de títulos ligados à autoajuda, à arte de viver
melhor, às estratégias de como gerenciar nossas vidas. Nunca temas como esses
sensibilizaram o público como hoje. De tanto ser usado, o verbo começou a ser
escrito sem nenhum pudor gráfico; suprimiram-lhe mesmo o asterisco, que
aparecia como um resquício de decoro. Hoje se estampa o “foda-se” em capas de
livros como antes se rabiscava a palavra em paredes de latrinas.
O que
esse verbo quer dizer? O seu sentido nessas obras não é o de fornicar, praticar
o ato sexual, mas sim o de mandar os outros àquele canto (espero que, com o
tempo, não se acabe nomeando o canto). O “f*oda-se” indica desprezo pelo que as
pessoas possam pensar ou dizer de nós. É um grito de repúdio à bisbilhotice
alheia e, ao mesmo tempo, uma afirmação de liberdade individual. Não surpreende
que tenha ganhado popularidade num tempo em que se exalta a persecução de metas
que, para ser atingidas, exigem obstinação e sobretudo foco (outra palavrinha
da moda). Enfraquecemos nosso propósito de obter sucesso caso prestemos muita
atenção à opinião dos outros. Nunca se convidaram tanto os membros da caravana
a ignorar os cães.
A
ênfase nesse verbo confirma que nada é tão molesto ao homem quanto o próprio
homem. Vivemos em tensão com os outros (que são o inferno, segundo a famosa
frase de Sarrte). Para escapar à vigilância alheia, que pode obstacular nossos
passos e reduzir nossa autoestima, só mesmo destinando-lhes um repúdio que só o
termo chulo é capaz de dimensionar.
O
curioso é que esse verbo esteja na moda, e faça cada vez mais vender livros,
num tempo em que também se reforça a necessidade de cooperação entre as
pessoas. Yuval Noah Harari, uma das melhores cabeças da atualidade, considera que chegamos a um limite e precisamos da colaboração
de todos se queremos a preservação da humanidade. Caso as pessoas não
cooperem, viremos num período não muito longínquo a sucumbir (certamente numa
nova e derradeira guerra mundial). Por sinal, já há milionários que não duvidam
de que isso seja possível e estão patrocinando pesquisas para excursões a Marte.
Nosso dilema no futuro parece que vai ser: “A Marte, ou à morte”.
Há então dois lados: um que manda os outros se
f*derem e outro que faz um convite à tolerância e à colaboração. Por enquanto a
coexistência desses lados tem promovido um equilíbrio que, embora precário,
garante nossa sobrevivência. O medo é que prevaleça quem tende a rejeitar
apelos como o de Harari e, de olho unicamente nas metas pessoais, destine à
coletividade o seu desprezo. Nesse caso vai mesmo f*oder geral, e teremos razões
para temer o pior.
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