terça-feira, 19 de maio de 2020

Notas sobre a pandemia (22)


      “Morrer só se torna alarmante quando as mortes se multiplicam, uma guerra, uma epidemia, por exemplo, Isto é, quando saem da rotina”. Deparo-me com essa passagem em “As intermitências da morte”, de José Saramago, que comecei a ler. Pelo critério do narrador, morrer se tornou alarmante para nós, brasileiros, pois no País as mortes vêm se multiplicando; o número de mortos em 24 horas ultrapassou mil e cem. O irônico em relação ao trecho do romancista é que elas, as mortes, começaram a entrar na rotina (e não dela sair). Isso explica as mudanças que têm ocorrido em nosso ânimo. No início da quarentena até se fazia humor com a situação. Agora são raros os gracejos e os jogos de palavras, que longe de subestimar a gravidade da pandemia constituem um desafogo, uma catarse, e concorrem para que se preserve o equilíbrio mental. Há risos de dor, como há lágrimas de alegria. Preocupa-me o cansaço que sobre nós vem se abatendo e que pode nos tornar menos sensíveis ao padecimento dos doentes e de suas famílias. Não por indiferença (ninguém quer ter o presidente como espelho), mas por tédio. Ainda não chegamos a esse ponto, mas é urgente que o número de mortes comece a baixar.

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