quarta-feira, 13 de maio de 2020

Lembrando Celso Cunha



Tive a sorte de por um breve tempo conviver com ele. Nosso primeiro encontro se deu em João Pessoa, onde Celso viera participar de um congresso. Deparei-me com uma figura branda, afável e bem-humorada. Sabendo da sua admiração por José Lins do Rego, convidei-o para conhecer no Pilar o Engenho Corredor.

Fomos em meu carro, numa manhã de sol, contemplando à beira da estrada as plantações de cana e conversando sobre assuntos vários (apesar do ar discreto, ele era um grande conversador). Fez elogios ao autor de “Menino de Engenho” e “Fogo Morto”, que considerava o mais denso e vigoroso de nossos regionalistas pela dimensão trágica da obra.

O segundo encontro ocorreu quando fiz o Mestrado no Rio de Janeiro. Nosso contato dessa vez foi mais extenso, e cheguei a ir algumas vezes à sua casa em Humaitá. Fiquei impressionado com a enorme biblioteca, que transbordava do escritório e se prolongava por outros cômodos. Chamá-lo de bibliófilo é pouco; Celso era um bibliólatra, tal a adoração que tinha pelos livros. As obras eram encadernadas com esmero e cuidadosamente dispostas em ambientes livres de ácaros ou traças.

Numa das visitas que lhe fiz, ele chegou a me indicar mais de um título fundamental para entender a evolução da língua e da literatura portuguesa (e, por extensão, brasileira). Um deles, lembro-me bem, foi “Literatura Europeia e Idade Média Latina”, de Ernst Robert Curtius, que adquiri pouco depois.  

 Certa vez o encontrei com a sua simpática esposa, Dona Cinira, num dos elevadores da Universidade Federal Fluminense, onde eu fora inscrever Denise no Mestrado em Língua Portuguesa. Nesse encontro, fomos convidados para a festa do seu 70º aniversário. Nela ocorreria o “Pagode do Celso”, um evento promovido por alunos, amigos e colegas – todos, como ele, adeptos do samba.   

Poucos sabiam que o erudito professor, sempre nas aulas de terno e gravata, era fã desse ritmo popular e tão brasileiro. Vi-o cantando ao lado de Nei Lopes e de outros membros da Velha Guarda da Portela, que levou a festa pela madrugada. Tudo isso ao embalo de um bom uísque, que o mestre também apreciava, e da cachacinha que circulava farta entre os pagodeiros (o Zeca não desmente a progênie).     

Encontrar Celso Cunha foi como se deparar com um ídolo que a gente se acostumou a admirar de longe. Encheu de emoção o jovem professor que se iniciara em cursinhos pré-vestibulares e dava os primeiros passos no ensino universitário. Sou grato ao que aprendi sobre o funcionamento e as virtualidades do Português na sua “Gramática do Português Contemporâneo" e nas obras voltadas para o ensino médio, que aliam o conhecimento do idioma à perícia didática.  

 Ele foi nosso primeiro gramático moderno. Suas abonações da norma traziam passagens de escritores cuja leitura me estimulava a escrever (Rubem Braga, para citar um exemplo). Celso Cunha me incutiu a percepção de que no dinamismo do presente é que a língua testemunha a grandeza do seu passado. 

2 comentários:

  1. Professor, o senhor considera a gramática do Celso Cunha como a melhor? Sou estudante do curso de letras. Sua reposta me ajudará a ditecionar meus estudos gramaticais.

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    1. Sim. Pode comprar sem medo. Compre duas: Gramática da Língua Portuguesa e Nova Gramática do Português Contemporâneo em parceria com Lindley Cintra

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A esquecida