quinta-feira, 30 de setembro de 2021
terça-feira, 21 de setembro de 2021
Bolsa Feiura
Li
não sei onde que se está pensando em criar no Brasil o Bolsa Feiura. Segundo o
idealizador do projeto, vivemos numa sociedade que valoriza muito a beleza, e
os que não a têm competem em desigualdade de condições com os bonitos. Uma
forma de reparar essa injustiça seria destinar aos feios determinada quantia
para que eles pudessem de alguma forma reduzir os efeitos da sua condição. Com
o dinheiro comprariam produtos de beleza, frequentariam clínicas estéticas ou
mesmo, se fosse o caso, fariam plástica.
Certamente
isso vai gerar muitas críticas. Vão dizer que não tem sentido propor tal ajuda
quando há no país milhares de indivíduos sem teto ou com fome. Esse argumento,
contudo, é fácil de refutar. A feiura não é um problema social (a não ser,
talvez, na China), mas entristece ou deprime muitas pessoas, o que
indiretamente afeta o setor produtivo do País. Quem, sentindo-se por dentro “um
lixo”, tem ânimo para fazer a contento o seu trabalho?
Essa história de “estar bem consigo” tem fundamento. Se o espelho não
nos aprova, tendemos a ignorar os outros e pouco nos importamos com o mundo. Em
alguma medida, Freud tem razão: o universo é projeção do ego. Tendemos a
moldá-lo conforme nossa disposição interior.
Inclinamo-nos
para o belo porque, segundo Stendhal, a beleza é uma promessa de felicidade;
isso quer dizer que a feiura promete o oposto. Vinicius segue a mesma pisada ao
afirmar, pedindo perdão às muito feias, que beleza é fundamental.
Como
veem, o Bolsa Feiura tem um sólido aval literário (a não ser por Quasímodo, que
compensa a corcunda com a beleza interior – mas quem liga para ela hoje?). O
projeto, se aprovado, não mudará ninguém mas servirá de inestimável consolo.
Vai reparar um pouco o descuido (ou mesmo a imperícia) com que a natureza molda
certas fisionomias.
O
problema de um projeto como esse em nosso país é que poucos resistem a dinheiro
que vem do Estado. Seguindo a prática do jeitinho, a maioria vai bolar
artifícios para parecer mais feia do que é e ter direito à cota. Talvez isso
produza um decréscimo na nossa vaidade, levando à bancarrota o setor de
produtos estéticos. Haveria protestos, demissões – e aí, sim, a coisa ficaria
feia.
quarta-feira, 15 de setembro de 2021
Sobre pentes e cabelos
O homem primitivo
não usava pente. Certamente não lhe ocorria a hipótese de que os fios desgrenhados
na sua cabeça poderiam se ajustar à caixa craniana de um modo, digamos, mais decente
e estético. Quando isso aconteceu (com a inevitável influência da mulher, claro),
ele notou que passar o minúsculo objeto pelos cabelos também propiciava um ganho
adicional: retirar parte dos piolhos que lhe infestavam o couro cabeludo.
Teorias à parte, o pente ganhou ao
longo do tempo diversos formatos e acabou se constituindo num dos símbolos da
civilização. À medida que nos distanciamos da barbárie primitiva, fomos aprimorando
o seu desenho e utilizando em sua confecção novos materiais para, com isso, dar
diferentes feições à nossa juba – por mais exígua que fosse.
A coisa chegou a tal pondo que estar
despenteado, ou mesmo mal penteado, virou uma marca de desrespeito social.
Assim como compomos as vestes, precisamos dar aos pelos da cabeça uma aparência
decente a fim de melhor transitar em sociedade. Muito da rejeição aos jovens
nos anos 1960 veio de eles – na tentativa de imitar os Beatles, por exemplo – deixarem
os cabelos crescer e se manterem despenteados (é bom lembrar que o conjunto
inglês ostentava um desalinho aparente, pois tinha a rebeldia como imagem).
Nada tenho contra os pentes; eles é
que não se dão bem comigo. Tanto que, na primeira oportunidade, costumam
escapar da minha vista e sobretudo do meu bolso. Não conto as vezes em que isso
ocorreu, e o pior: nunca descobri “como” nem “por que” isso ocorre. O fato é que
um belo dia (para falar a verdade, nem tão belo assim), enfio as mãos nos
bolsos e não dou com eles. Escarafuncho as gavetas e prateleiras onde costumo
guardá-los, e nada.
Esse tipo de acontecimento já foi
motivo de conflitos aqui em casa. Para preservar a harmonia conjugal, minha
mulher passou a comprar cartelas com vários pentes. Esperava com isso compensar
a minha tendência a perdê-los.
Mas tudo fica em paz por um tempo, e
invariavelmente chega o momento em que se repete o fenômeno: meto as mãos nos
bolsos e não consigo encontrar o meu. Envergonhado, peço um de empréstimo a
ela, que aproveita a ocasião para criticar o meu descuido. De novo?! Como pode
uma pessoa ser tão desatenta?! Deve ter a cabeça no mundo da lua!
Não, minha cabeça está aqui mesmo,
embora despenteada. O problema é que ainda não se descobriu um meio de guardar
com segurança, e manter sempre ao nosso alcance, esse objeto minúsculo e
esquivo com que nos habituamos a acomodar a rebelde pilosidade que se deposita
sobre a nossa caixa craniana.
Parece haver um simbolismo na tendência
que tem o pente de desaparecer da nossa vista. A facilidade com que o deixamos
cair, não se sabe onde, mostra que o acaso não incide apenas nos grandes gestos
humanos. Também atua em eventos banais, cujo efeito é gerar pequenas aporrinhações
no espaço doméstico. O somatório delas, se não conduz à tragédia, pode aos
poucos azedar o convívio. Precisamos então fazer de tudo para evitá-las.
Para aliviar o clima, prometo à mulher
não mais perdê-los – mesmo sabendo que será difícil cumprir a promessa. Ouras
perdas haverá, e serei novamente objeto de ácidas repreensões. Consola-me saber
que, se os procuro em bolsos vazios, é porque ainda preciso deles. Nem que seja
para ajeitar os poucos fios que me ligam a um tempo no qual eu me orgulhava de
uma vasta cabeleira. Esse pensamento me consola e até me encoraja a proclamar,
na surdina: “Vão-se os pentes e fiquem (ainda que ralos) os cabelos!”.
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