Nietzsche
escreveu que, ao pensar em casar com alguém, deve-se antes fazer a pergunta: “Eu
seria capaz de conversar com essa pessoa pelo resto dos meus dias?” A observação
é pertinente, pois a falta do que dizer e a indisposição para ouvir são
indícios de desinteresse ou mesmo de saturação.
Acho,
no entanto, que responder satisfatoriamente a essa pergunta não basta para que
se garanta o sucesso da união matrimonial. Isso obviamente vale mais do que os predicados
físicos, pois ninguém deve se casar atraído apenas por um rosto bonito, um corpo
atlético ou roliço, um jeito gracioso de sorrir. Esses critérios animam a
paixão, mas são irrelevantes para um tipo de relacionamento em que os
envolvidos se propõem a permanecer juntos e constituir uma família.
A
resposta positiva à pergunta do filósofo também vale mais do que a condição
econômica, embora o dinheiro tenha enorme importância por tornar de algum modo
suportável a infelicidade. Mas o fato é que a disposição para a conversa ou a alta
condição social são pouca coisa diante de um fator que que tem mais peso: a
genética.
Quem
sai aos seus não se regenera, por isso é importante observar o perfil dos que
têm o mesmo sangue do futuro esposo ou da futura esposa. O comportamento deles configura
um modelo em que o noivo ou a noiva devem se incluir. Afinal, são filhos do
mesmo pai. Apesar da individualidade dos seus membros, toda família tem uma
marca, e mesmo quem destoa do padrão apresenta algumas características comuns.
O
problema é que às vezes observar o perfil da família não basta. Os genes se
distribuem aleatoriamente num mesmo grupo familiar. Entre irmãos há os
preguiçosos e os operantes, os lentos (um eufemismo para depressivos) e os ágeis,
os discretos e os adeptos do estardalhaço.
Há
na distribuição dos genes um componente de transcendência, ditado pelo Acaso, e
deve-se torcer para ser aquinhoado com a melhor parte. Disso pode depender a
felicidade (ou não) de um casamento ou de outros compromissos que a gente deve assumir
na vida.
E
o amor? E a liberdade das nossas escolhas, que refletem nossos desejos? Isso
não conta? Conta, e muito. Para que o casamento dê certo, é preciso que algo se
contraponha ao que pode miná-lo devido às más predisposições dos noivos ou a outras
circunstâncias adversas, e o amor tem nisso o papel mais importante.
Por
ser um produto da nossa liberdade e se radicar nos obscuros domínios do
inconsciente, ele pode promover a resistência ao que no parceiro (ou parceira) é
motivo de contrariedade e decepção. Graças a ele vai-se poder reduzir os
efeitos negativos dos genes não propícios ao bom entendimento do casal. O amor estimula
a tolerância e concorre para a aceitação do outro.
A
propósito: sobre o assunto desta crônica, conversamos eu e minha mulher. Nenhum
dos dois chegou a uma conclusão (a que também não pretendo chegar agora), mas a
conversa nos distraiu numa das inúmeras noites desses nossos quarenta anos de
casados.
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