Ei, vamos
dançar de novo aquela quadrilha? Prometo que agora não vou lhe decepcionar. Da primeira
vez me comportei mesmo como um matuto, deixando você sozinha no salão. De nada
adiantou o cachimbo, o cornimboque e o bigode com que me adornaram para parecer
um cabra da peste. Tudo aquilo era postiço; verdadeiro mesmo só a minha
timidez. Agora prometo levar a dança até o fim, mesmo que ainda não tenha muito
jeito. Ou jeito nenhum.
Venha, estou lhe dando a minha palavra.
Não a palavra daquele rapazinho que um dia fugiu de você, mas a do adulto que aprendeu
um pouco a reconhecer seus erros. Um
deles foi ter feito você chorar. Ou não chorou? Se não, como explicar a maquiagem
desfeita? Percebi a pequena trilha d’água perfurando o excesso de preto e ruge
com que tentaram afogar sua beleza. Besuntaram muito, mas esse exagero não desfigurou
o rostinho meigo de onde brotava um sorriso cujos reflexos ainda hoje iluminam
a minha vida.
Se você vier agora, prometo que não vou fugir
para o pátio vizinho ao salão a fim de contemplar os fogos que explodiam na
noite. Eu procurava me distrair com as luzes e a fumaça que emanava das
fogueiras, e vez por outra notava um balão que se perdia no escuro (naquele
tempo, eles eram permitidos). Queria estar num deles, voar para bem longe e
afogar nas sombras a lembrança do que acabara de ocorrer. O barulho da festa, com
as pessoas rindo, dançando e falando alto, contrastava com o meu silêncio
desolado. Deveria ter voltado ao salão e pedido desculpas, mas em vez disso fiquei
por ali ruminando o meu fracasso.
Bem que poderíamos tentar outra vez. Você
deve estar se perguntando: mas como? onde? Sei que aquele vestidinho colorido
de chita não cabe mais em você – nem a pulseira, nem o colar. Mas você deve ter
guardado pelo menos o broche vermelho raiado de branco que estava espetado em
seus cabelos. Ou o perfume que eu aspirei em seu pescoço e me deixou um pouco tonto,
levando-me mais uma vez a errar o passo. Isso nos fez tropeçar um no outro e
quase nos esborracharmos no chão. Fiquei sem jeito, olhei-a como quem pede
desculpas; você apenas sorriu e continuou firme na dança, com uma perícia bem de
mulher. Foi tolice não deixar que você, dali em diante, conduzisse os passos. Por
uma soberba tipicamente masculina, preferi fazer isso mal a lhe seguir. E deu
no que deu.
Foi
quando retornei ao salão que percebi em seu rosto a discreta trilha de
lágrimas. Você se recusava a olhar para mim. Parecia amuada, já não sorria. Estava
certa, claro, pois eu era o seu par; graças a mim, deve ter tido a primeira
noção do que é o abandono.
Houve
um momento em que nossos olhos se cruzaram e tive alguma esperança, mas você
fez que não me viu. Parecia ter superado o que acontecera e já me haver esquecido.
Sei que não esqueceu, por isso agora lhe faço este apelo. De onde estou vejo e ouço os fogos, aspiro a mesma
fumaça acre. Com um pouco de esforço,
posso até ouvir a música que nos embalava naquela noite remota... O coração
bate como há tantos anos. Tenho em mim o cenário, sou o cenário. Só falta você.
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