terça-feira, 28 de março de 2023

A sanha de vencer

 

A mídia tem mostrado com uma frequência preocupante a violência no esporte. Cenas de murros, tiros e facadas invadem os noticiários televisivos, fazendo-nos admirar que gente pacífica ainda entre em campos de futebol. O mais doloroso é que os alvos nem sempre são os torcedores, mas pessoas que eventualmente circulam pelas cercanias dos estádios.

O esporte existe para canalizar e reduzir a violência, mas o que temos visto ultimamente é a violência transformada em esporte. Um dos motivos para isso é a mística atribuída a certos clubes, cujos fanáticos torcedores os têm como religiões. Ou melhor, têm-nos como seitas, pois as religiões exercem um papel comunitário que essas agremiações estão longe de exercer.

A identificação entre os componentes da torcida existe mais pada excluir os diferentes do que aproximar os semelhantes. Ser Flamengo, por exemplo, é rechaçar todos os que não torcem pelo clube; é considerar a derrota como uma agressão imperdoável pela qual os torcedores do time vencedor devem pagar. Às vezes com a vida. 

Nessa perspectiva, perde-se totalmente a noção do valor e a consideração da qualidade. Deixa-se de reconhecer a superioridade do adversário, mesmo ela existindo. A derrota infligida por ele não terá se devido ao mérito, mas a alguma artimanha do “juiz ladrão”. 

Querer ganhar sempre é uma deformação psicológica. Vai de encontro à percepção de que é natural na vida a alternância entre vitória e derrota. Só um egocentrismo desvairado pode levar alguém a achar que se subtrai a essa lei. 

Há algum tempo o pleito presidencial americano nos ofereceu um vergonhoso exemplo dessa presunção. Contra todas as evidências, Donald Trump não aceitou a derrota. Alegava roubo na contagem dos votos para negar o resultado das urnas, desmoralizando com isso a democracia americana. O resultado foi o que se viu: invasão do Capitólio com feridos e mortos. 

A comparação com a política não aparece aqui à toa. Ela tem em comum com o esporte a disputa e a ânsia de sobrepujar o oponente a qualquer preço.  Em ambos os domínios há uma guerra que milênios de civilização deveriam ter nos ensinado a sublimar.

Não foi isso que ocorreu, e certamente jamais ocorrerá. Nas disputas pelo poder ou pelo primeiro lugar no pódio, o que prevalece é o velho impulso de suprimir o outro ou mostrá-lo inferior. Qualquer coisa menos do que isso soa como uma desfeita ao ego soberano, que até hoje nenhuma religião conseguiu domar.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

O silêncio do inocente