Há
dias a mídia veiculou a notícia de um casal londrino que ganhou um prêmio
bilionário na loteria. Tanto quanto haver ganhado o prêmio, o que chamou a
atenção foi a reação dos dois. O marido, após receber a notícia informando a
premiação, esperou que a mulher acordasse para lhe comunicar o fato. Já a mulher,
depois de informada, tomou calmamente seu café e foi para a repartição. Exemplo
melhor da fleuma britânica não poderia existir.
Fico
imaginando a reação de um casal brasileiro a notícia semelhante. O homem,
claro, não esperaria que a esposa despertasse. Invadiria o quarto aos berros:
– Alzira,
acorda! Acertei na loteria! Estamos milionários!
Assustada
e um pouco zonza, Alzira levaria um tempinho para deixar cair a ficha:
– Hem?...
Loto? Tem certeza, Toledo?
– Claro,
veja aqui no celular! A partir de hoje, você não precisa ir mais para o trabalho.
Nem eu!
O
que ocorreu com o casal londrino é o sonho dos milhões de brasileiros que
semanalmente vão às casas lotéricas. A probabilidade de acertar as dezenas é
mínima, conforme demonstram cálculos matemáticos, mas isso não constitui razão suficiente
para demover a esperança. O que motiva os apostadores é o sonho de uma nova
vida, sem as aporrinhações do trabalho e as limitações que o pouco dinheiro
impõe à ânsia de consumo.
Certa
vez fiz por cima a conta de quanto ganharia alguém que, em vez de jogar
semanalmente, investisse o dinheiro em caderneta de poupança ou aplicação
semelhante. O resultado me surpreendeu; o apostador teria após alguns anos uma
pequena fortuna. Ela não o tonaria milionário, mas daria para comprar alguns bens
valiosos.
O problema é que uma providência desse
tipo, ditada pela racionalidade, tiraria o que nas apostas é fundamental: a
emoção, a expectativa, a possibilidade de conviver com a esperança. Por que se
contentar com menos, ainda mais obtido depois de um longo prazo, quando é
possível abocanhar o máximo?
Além do mais, o desejo de ganhar
imprime ao jogo uma certeza que desconsidera qualquer possibilidade de fracasso.
A aposta é um testemunho de fé e tem na irracionalidade a sua força. Uma das
melhores explicações para ela encontrei nesta passagem de Bertrand Russel:
“Quando
O que ouvi certa vez de um sujeito na
porta de uma casa lotérica complementa a argumentação do matemático e filósofo
inglês. Era um homem simples, com quem puxei conversa e do qual soube que jogava
“religiosamente” (o advérbio é bem significativo) havia muitos anos. Marcava sempre os mesmos números, o que me pareceu
(sem nenhum fundamento, claro) tornar ainda mais difícil o acerto. Quando
ponderei isso, ele respondeu.
– Eu sei que não ganho, mas posso ganhar. Então
vale a pena vir aqui toda semana.
Saber que não ganha é uma percepção racional.
Continuar tentando por remotamente “poder ganhar” reflete um desejo que vai de
encontro à convicção objetiva. Mostra que muitas vezes preferimos desconsiderar
as evidências a deixar de continuar sonhando.
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