terça-feira, 28 de março de 2023

A razão e o sonho

 

Há dias a mídia veiculou a notícia de um casal londrino que ganhou um prêmio bilionário na loteria. Tanto quanto haver ganhado o prêmio, o que chamou a atenção foi a reação dos dois. O marido, após receber a notícia informando a premiação, esperou que a mulher acordasse para lhe comunicar o fato. Já a mulher, depois de informada, tomou calmamente seu café e foi para a repartição. Exemplo melhor da fleuma britânica não poderia existir.

Fico imaginando a reação de um casal brasileiro a notícia semelhante. O homem, claro, não esperaria que a esposa despertasse. Invadiria o quarto aos berros:

– Alzira, acorda! Acertei na loteria! Estamos milionários!

          Assustada e um pouco zonza, Alzira levaria um tempinho para deixar cair a ficha:

– Hem?... Loto? Tem certeza, Toledo?

– Claro, veja aqui no celular! A partir de hoje, você não precisa ir mais para o trabalho. Nem eu!

O que ocorreu com o casal londrino é o sonho dos milhões de brasileiros que semanalmente vão às casas lotéricas. A probabilidade de acertar as dezenas é mínima, conforme demonstram cálculos matemáticos, mas isso não constitui razão suficiente para demover a esperança. O que motiva os apostadores é o sonho de uma nova vida, sem as aporrinhações do trabalho e as limitações que o pouco dinheiro impõe à ânsia de consumo.

Certa vez fiz por cima a conta de quanto ganharia alguém que, em vez de jogar semanalmente, investisse o dinheiro em caderneta de poupança ou aplicação semelhante. O resultado me surpreendeu; o apostador teria após alguns anos uma pequena fortuna. Ela não o tonaria milionário, mas daria para comprar alguns bens valiosos. 

           O problema é que uma providência desse tipo, ditada pela racionalidade, tiraria o que nas apostas é fundamental: a emoção, a expectativa, a possibilidade de conviver com a esperança. Por que se contentar com menos, ainda mais obtido depois de um longo prazo, quando é possível abocanhar o máximo?

          Além do mais, o desejo de ganhar imprime ao jogo uma certeza que desconsidera qualquer possibilidade de fracasso. A aposta é um testemunho de fé e tem na irracionalidade a sua força. Uma das melhores explicações para ela encontrei nesta passagem de Bertrand Russel:

         “Quando alguém aposta num cavalo, esse alguém está seguro de que ganhará. Quando os indivíduos se contemplam a si próprios, eles têm certeza de que são ótimas pessoas, animadas de uma alma imortal. Para cada uma destas crenças ou afirmações, as provas podem ser realmente muito pequenas, mas os nossos desejos despertam uma quase irresistível tendência para crer. Os seres humanos acham difícil, em todas as esferas do conhecimento, fundamentar as suas crenças em fatos, e não em desejos.”

          O que ouvi certa vez de um sujeito na porta de uma casa lotérica complementa a argumentação do matemático e filósofo inglês. Era um homem simples, com quem puxei conversa e do qual soube que jogava “religiosamente” (o advérbio é bem significativo) havia muitos anos.  Marcava sempre os mesmos números, o que me pareceu (sem nenhum fundamento, claro) tornar ainda mais difícil o acerto. Quando ponderei isso, ele respondeu.

           – Eu sei que não ganho, mas posso ganhar. Então vale a pena vir aqui toda semana.  

           Saber que não ganha é uma percepção racional. Continuar tentando por remotamente “poder ganhar” reflete um desejo que vai de encontro à convicção objetiva. Mostra que muitas vezes preferimos desconsiderar as evidências a deixar de continuar sonhando.

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