A percepção da velhice às vezes se dá por meio de pequenas coisas. Rubem Braga relata numa crônica o desencanto que sentiu quando, numa recepção onde havia mulheres jovens, foi chamado por uma delas de “senhor”. Essa palavrinha, que ao cronista soou como um palavrão, estabelecia uma intransponível distância entre os dois. Dava a entender ao velho Braga que ele deveria “conhecer o seu lugar”. Era, de certa forma, uma maneira de esquecê-lo.
Neruda
escreveu: “É tão curto o amor e tão longo o esquecimento.” O verso também soa
perfeito caso se substitua “amor” por “vida”. A vida é breve para o muito de
esquecimento que a ela vai se seguir. Daí o apelo hedonista inscrito no Carpe
Diem – Aproveite o Dia (embora a melhor parte do que se usufrui da vida ocorra
mesmo nas noites).
O
tema da memória é crucial para quem envelhece. No envelhecimento há o temor
tanto de ser esquecido, quanto de esquecer pessoas, fatos, experiências. A nossa
identidade é formada pelo conjunto de referências que nos cercam, e esse referencial
se constitui em boa parte das lembranças que acumulamos; perdê-las é como
perder a nós mesmos.
Vivemos
num tempo em que se procura resgatar os velhos, integrando-os à sociedade na
plenitude também de seus prazeres. Isso envolve
impedir que se apaguem neles as marcas do passado, como se as lembranças da
juventude alimentassem o que é vivido no presente.
Algum
esquecimento é inevitável e mesmo necessário. O inconsciente se encarrega de providenciar
isso, selecionando o que nos gratifica lembrar, e encobrindo o restante. É
Freud quem fala das lembranças encobridoras, que existem para inibir outras que
nos trazem desprazer. Na velhice, contudo, o esquecimento não é ditado pelas artimanhas
do ego para fugir ao superego. Decorre sobretudo da redução das conexões entre
os neurônios, própria dos chamados quadros demenciais – expressão assustadora,
pois evoca o que na linguagem do povo caracteriza o velho como gagá.
Outro
dia conversei com um senhor de mais idade e dele ouvi que o pior do seu
esquecimento é que ele não era “real”. Ou seja: no fundo ele se lembrava, mas não
conseguia fazer com que as lembranças se tornassem claras. Era cono se
permanecessem num intervalo entre luz e sombra, com lampejos do passado que se
apagavam quando ele buscava captá-los com exatidão.
Essa consciência de que esquecia as coisas
mostrava que ele tinha alguma lucidez e talvez por isso sofresse mais. Há casos
em que a consciência não mais existe, e as memórias se apagam sem dor, levando
à gradativa perda da percepção das coisas, das pessoas e por fim de si mesmo
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