O desabafo de Gonzaga Rodrigues durante
o lançamento dos livros de Hildeberto, sábado retrasado, impressionou pela
sinceridade e me deu o que pensar.
Pego de surpresa para dizer algumas
palavras, ele aproveitou para lamentar o esquecimento a que os novos autores da
Paraíba relegam os mais velhos. Isso veio de mistura com uma espécie de
autorrecriminação por jamais ter ido além da crônica e não ter nos dado o romance
a que deveria conduzi-lo a sua consciência social.
Gonzaga parecia acometido de um duplo
remorso – literário e histórico –, e me pergunto até que ponto o primeiro não foi
influenciado pelo segundo. Como se as posições políticas só tivessem peso e evidência
quando expressas num gênero de fôlego, como é o romance, e perdessem a validade
numa espécie literária “menor” (afinal os cronistas, como disse Agripino
Grieco, são excelentes nadadores... de piscinas).
Mas como ele mesmo reconheceu no
breve e inflamado discurso, se objetivamente não conseguiu traduzir as mudanças
que houve no Brasil a partir 1960 por falta de uma forma literária mais
abrangente, ou prestigiosa, realizou-se do ponto de vista subjetivo nos textos
que há décadas vem publicando na imprensa. Quem o ouvia, no entanto, percebeu que
isso não bastava para diminuir o ressentimento com os que o ignoravam. Pelo
contrário, acentuava-o, pois deixava claro o descompasso entre o reconhecimento
e o valor.
Foi um desabafo “fisiológico”,
conforme ele comentou comigo quando eu lhe disse, terminado o discurso, que tinha
sido muito severo consigo mesmo. Veio das entranhas, com a força das coisas
sentidas, por isso tocou fundo os que estavam no Sebo Cultural. Ninguém concordou
com a severidade do julgamento, mas respeitou aquele instante de ajuste de
contas, que é tanto mais rigoroso quanto maior é a cobrança que o indivíduo faz
a si mesmo.
A crônica é um gênero teoricamente “menor”,
que se engrandece em função do talento de quem a pratica. Se não tem amplitude para
registrar transformações sociais, dá-nos uma ideia dos seus efeitos na forma
como elas repercutem na sensibilidade do cronista. Quem lê o “Nego” há anos,
como eu, sabe o que ele pensa sobre a iniquidade da distribuição de renda no País;
percebe como ele se indigna com a exploração do homem pelo homem; conhece a sua
tristeza com o abandono histórico do Nordeste.
E de quebra usufrui do que a sua pena
de cronista nos traz. Admiro-lhe particularmente o lirismo na evocação de
lugares, pessoas, acontecimentos, e o olhar perspicaz com que ele acompanha as
transformações da cidade. Isso para não falar dos perfis de amigos ou personalidades,
em que se destaca a nota humana -- o homem sempre mais importante do que o
ofício ou a posição. Tudo isso aparece em recortes breves, nada romanescos, mas
que são valorizados pelo estilo e a habilidade de captar o essencial.
Todos têm o direito de fazer suas cobranças
pessoais, mas é dever de justiça apontar quando elas vão além da conta. Foi o
que houve naquele sábado diante de uma plateia surpresa, que permaneceu em silêncio
mas não concordava com o que ouvia.
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