Vejo uma reportagem na TV sobre compulsão. A repórter entrevista alguns compulsivos, que falam sem pudor de suas manias. Uma mulher só se sente feliz quando faz compras. Mostra no guarda-roupa uma porção de vestidos, blusas, sapatos que jamais irá usar.
Um homem expõe sua monumental coleção de CDs, que se
empilha por vários cômodos da casa. Ele não dará conta disso nem que passe o
resto da vida ouvindo música. E será que gosta mesmo de música? Quem gosta
elege seus compositores preferidos e os ouve repetidas vezes, sem esse afã de
substituí-los por outros. Gostar é resumir, selecionar. Mas o compulsivo não
avalia méritos, qualidades; o que o motiva é a satisfação mecânica de seus
impulsos.
A psicologia cognitivo-comportamental associa os
gestos compulsivos a obsessões de que o indivíduo procura se libertar. O
pensamento obsessivo aponta para um perigo a que a pessoa fica exposta caso não
pratique os rituais de repetição. Neste sentido, comprar sem motivo ou fazer
ginástica sem limites seriam pequenas mortificações para afastar uma ameaça
ilusória. Ou para apaziguar uma consciência culpada.
Essa cadeia de mortificações constitui no limite um
distúrbio sério, em que os gestos compulsivos ganham uma espécie de autonomia
que faz a pessoa esquecer o que está querendo purgar. É como no tique nervoso,
ou no cacoete, que são caricaturas de prece. O indivíduo ritualiza, com
trejeitos corporais, uma reza sem sentido. Ou uma reza que, pelo menos no
início, só tem sentido para ele.
Quem não tem suas compulsões? Aquele que não as tiver
atire a primeira pedra (os escritores têm as frases feitas, que são compulsões
linguísticas). Alguns as disfarçam em atividades nobres, como a arte ou a
política. Outros as sublimam nos rituais religiosos. Outros por fim as
vulgarizam em jogos, vícios, exercícios físicos.
Minha tese (nada original) é que o excesso de
atividade física é uma tentativa de afastar o medo da morte. A consciência de
que está exercitando coração e músculos, e com isso combatendo o exército mau
de triglicérides e ácidos graxos, dá à pessoa uma ilusão de plenitude. Ou de
inexpugnabilidade. Alguns dizem que o que leva a tal excesso é o efeito da
endorfina, mas isso não invalida a tese. As preces são uma endorfina da alma, e
também se justificam por nossa recusa em morrer.
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