As grandes datas
têm sobretudo um
valor simbólico. É o caso do Ano-Novo,
que em
essência não
muda nada
mas nos
dá a impressão de que
alguma coisa recomeça.
Todo ano a
mais é um sinal
de envelhecimento, mas insistimos em pensar que um novo tempo nasce à
medida que outro morre. Em vez de sucessão,
renovação. Na ingênua alegoria do nosso
desejo, o Ano-Novo
aparece como um
bebê rechonchudo
e risonho que
vem substituir um
velhinho magro e decrépito.
Ambos são imagens de nós mesmos. A segunda
corresponde ao nosso eu real; a primeira, à fantasia
com que
julgamos renascer melhores,
sem os velhos
vícios e defeitos.
A cada ano
se renova o ciclo, com
promessas que
não são
cumpridas e projetos que jamais
viram realidade.
Precisamos dessas transições
pomposas para nelas enquadrar
nossos propósitos
de mudança. Qual
a graça em
se deixar de fumar num dia qualquer?
Faz mais efeito
pensar que o abandono do cigarro
vai ocorrer em
um ano que se inicia. E que a partir do
Ano-Novo nos transmutaremos num “novo homem”.
Assim como
uns vão deixar
o cigarro, outros
prometem estudar com
afinco para concursos. Ou mudar de profissão. Ou pedir finalmente a namorada em casamento. Mesmo que nada disso
seja feito, este
é o momento de sonhar
“a sério” com a possibilidade.
As disposições mais comuns
dizem respeito aos hábitos
e ao caráter. Quem
não promete a partir
de agora se tornar
mais generoso,
humilde, disciplinado? Quem não vai moderar o egoísmo e desenvolver o senso de solidariedade?
Quem não
se tornará no próximo ano um ser humano melhor?
Para isso existe a data, e não
adianta reagir com
cinismo a tão
sinceras deliberações. É preciso que vez por outra uma imagem
ideal de nós
mesmos ocupe o lugar
do que somos. Essa ilusão
de aperfeiçoamento e mudança nos anima a
enfrentar o ano
que vem. E, sobretudo, reconcilia-nos provisoriamente
com nós mesmos.
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