Véspera de Natal. No quintal de uma família de classe média, estão um galo e um peru. O galo caminha alegre, balançando a crista. Já o peru não sai do canto e mal disfarça a tristeza. Sabe o que o aguarda.
De repente o galo canta. O peru então o interroga com um misto de
surpresa e ressentimento:
-- Por que essa alegria?
-- Porque tenho alguma coisa a ver com o que acontece hoje. Um de meus
ascendentes saudou o nascimento do Menino. Foi a trombeta auroreal de um novo
mundo. Como eu não iria me alegrar?... E você? Qual a razão dessa cara?
-- Ora... Daqui a pouco vou virar comida para os que vêm festejar o
nascimento a que você se refere. Queria que eu estivesse contente?
-- Procure aceitar. Trata-se de uma grande causa. Além do mais, você
terá tudo para ser o rei da festa. Muitos o acharão macio, crocante, bem
temperado.
-- Isso não vai depender de mim, mas da cozinheira. Esqueceu que estarei
morto?
-- Estará sem vida, mas será o centro das atenções. E o mais importante:
representará ali a grande nota de realidade. Mais do que a árvore, as músicas,
os cumprimentos formais, dará testemunho da natureza do homem. O sucesso
dessa noite vai se medir pelo prazer que der aos
convivas.
-- Tem certeza?
-- Claro! Você vai saciar-lhes o apetite do corpo, que é mais
profundo do que o da alma. Se vir as coisas por esse lado, se convencerá da sua
importância.
O Peru parece impressionado com essas palavras. O galo volta a se
distanciar, balançando a crista, e canta de novo sem motivo. Ou, quem sabe,
devido à alegria de não ser peru. Quando volta de mais um passeio, ouve novo
desabafo:
-- Sua retórica não me convence. É fácil elogiar um condenado à morte
quando se vai permanecer vivo. Aposto que está contente por não ocupar o
meu lugar.
-- Não nego... Mas você sabe que meu dia vai chegar. E não terá o mesmo
brilho do seu. Vou “reinar” num desses banais almoços de domingo, com música
estridente ao fundo e cerveja em vez de champanhe.
Nesse momento a cozinheira vem interromper a conversa dos dois. Tem na
mão uma peixeira brilhante. Com o ar decidido, dirige-se ao peru.
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