sábado, 30 de agosto de 2025

A magia de um humor fino

          

           Ele era um gênio da língua, comparável a Guimarães Rosa, Nelson Rodrigues ou Machado de Assis. Constituía com Millôr Fernandes uma dupla em que o humor se associa à crítica de costumes e à reflexão filosófica. Ambos tinham como matéria-prima o homem e sua presunção de superioridade. 

Como “gigolô das palavras”, Veríssimo fazia delas o que queria — mas, ao contrário desse personagem na vida real, deixava-as satisfeitas. E até orgulhosas, pois sabia “vê-las” em sua corporeidade, suas ressonâncias semânticas, seu poder de reinventar a realidade para dela nos afastar e nos fazer melhor percebê-la. 

Em suas histórias curtas, ele espelhava a perplexidade e por vezes o ridículo em que se debate a classe média com as suas dúvidas sobre a sexualidade, a psicanálise, a existência de Deus. Criticava os modismos em que muitos embarcam no ingênuo afã de dar sentido ao que não conseguem compreender.

Tal como o “irmão” Millôr, era um anarquista e um cético quanto aos discursos falsamente piedosos que engodam quem prefere, à lúcida reflexão, o conforto das ilusões. A diferença é que no carioca refulgia sobretudo a inteligência — e nele, Veríssimo, refulgia o espírito.

Ou seria melhor dizer a espirituosidade do estilista que sabia, como poucos, ressaltar o que há de poético nos textos de humor. Não me refiro ao poético sentimental, lírico, mas à característica da poesia como desaumatização do sentido convencional das palavras. Veríssimo as redescobre com a mesma perícia com a qual desvela alguns dos obscuros e risíveis anseios da nossa alma.

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