domingo, 20 de janeiro de 2008

A boa escrita

Você escreve certo ou escreve bem? Essa pergunta pode soar estranha, mas o fato é que nem sempre um texto correto é um texto bem escrito. Para chegar à correção, basta que se tenha o domínio das normas de gramática.
Já o bem escrever pressupõe algo mais. Depende de consciência lingüística. Quem a tem fica menos ligado nas regras do que no poder comunicativo e no valor expressivo das palavras.
A consciência lingüística está levando, por exemplo, à aposentadoria da mesóclise. Antigamente era sinal de distinção encher o texto de “far-lhe-ei”, “dir-te-ia”, “vê-lo-ás” e construções semelhantes. Jânio Quadros, que era professor de português, notabilizou-se por empregar o pronome no meio do verbo até em bilhetinhos para os assessores.
Hoje se prefere dizer “Lhe farei uma visita” a “Far-lhe-ei uma visita”. A segunda construção soa pernóstica, pouco natural. A pronúncia retorcida das construções mesoclíticas não resistiu ao despojamento da nossa época. Escrever bem hoje é valorizar as formas breves e simples, que atingem com mais eficiência o leitor.
Não foi apenas a mesóclise que se ausentou do cardápio. No plano semântico, passou-se a valorizar as palavras de uso comum. “Propósito” em vez de “desiderato”; “destacado” no lugar de “conscípuo”; “desprezível” preferencialmente a “despiciendo”.
No domínio da sintaxe, períodos longos e invertidos deram lugar às orações absolutas e à ordem direta. Em vez de “Ontem, depois de horas de espera, quando ninguém mais achava que o roqueiro Z aparecesse, ele resolveu sair do hotel e dar autógrafos aos fãs” – esta construção mais clara e simples: “Ontem o roqueiro Z resolveu sair do hotel e dar autógrafos aos fãs. Isso depois de horas de espera, quando ninguém mais achava que ele aparecesse”.
Escrever bem é pensar no leitor. Não é justo fazê-lo quebrar a cabeça com períodos quilométricos ou palavras cerebrinas. Por sinal, acabei de fazer isso ao usar o termo “cerebrinas”. O consolo é que ninguém perde nada indo ao dicionário. A simplificação da linguagem, própria dos tempos que correm, não nos deve levar a esquecer esse hábito salutar.

Um comentário:

  1. Parece que o tema deste texto é o mesmo do que lhe escrevi, não é?

    Penso que, assim como não se deve escrever de forma pernóstica para tentar impressionar o leitor, algumas regras da Língua poderiam sofrer modificações.

    Por exemplo: "Dá-me um cigarro", frase que raramente seria utilizada em uma conversa no Brasil, sendo substituída por "Me dê um cigarro". A ênclise é usada no início dos períodos não por implicância, mas por ser usada pelos inventores da língua em suas falas cotidianas. Já que quase não se fala assim no Brasil, não se pode pensar em mudar?

    Penso que a Língua deva se adequar às necessidades dos falantes, e não que estes tenham que escolher entre falar um Português errado ou um forçado e sem naturalidade.

    Abraço.

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Dizer pelo excesso