terça-feira, 21 de outubro de 2008

Arte de malhar

Em mais uma dessas reportagens sobre hábitos de vida, leio que a maioria dos brasileiros é de sedentários. São raros os que fazem exercícios físicos e pouquíssimos aqueles que, pelo menos, gostam de andar a pé.
Acho isso curioso, pois o que não falta hoje são advertências sobre os riscos da inação (um sinônimo pomposo para sedentariedade). Sabe-se que ela provoca de câncer a doenças cardíacas; quando não chega a esses extremos, compromete a tão propalada “qualidade de vida”.
Ainda assim, poucos se comovem. A se levantar cedo para andar, correr ou fazer ginástica, preferem ficar na cama, num letargo fatalista segundo o qual só se morre no dia. Ou acham que é mais provável morrer esbofando-se no asfalto, ou em cima de uma esteira rolante, do que no recesso seguro do lar.
A verdade é ninguém se torna adepto de atividade física por ler artigos ou reportagens sobre os benefícios que ela pode trazer. Existem almas naturalmente preguiçosas, espíritos langorosos que consideram uma violência submeter o organismo a movimentos puxados e aparentemente gratuitos.
Vinicius de Moraes conta, numa crônica, que ele e Antônio Maria voltavam de uma farra e se depararam com um grupo de pessoas fazendo ginástica. O sol começava a nascer no mar de Copacabana.
Os dois boêmios, tresnoitados e ainda sob o efeito do uísque, olharam desdenhosos os corpos que repetiam com esforçado sincronismo os mesmos movimentos. Então fizeram ali, para a vida e para a morte, o pacto solene de jamais praticar gestos repetitivos e inúteis...
Entende-se a ironia dos dois. Para que nos devotemos a uma coisa, é preciso primeiro ver nela sentido. Ora, esse é um requisito subjetivo por excelência. O que faz sentido para uns pode parecer a outros um aborrecido disparate. Conheço gente que acha inútil caminhar cinco ou 10 quilômetros para ir a lugar nenhum. Só andam por necessidade, e com um objetivo bem definido.
Uma coisa é flexionar os braços e as pernas carregando tijolos nas construções, manuseando máquinas nas fábricas, transportando papéis nos escritórios. Outra é realizar esses movimentos para nada. Muitos não vêm sentido em tal gratuidade; outros acham que essa agitação “inútil” restabelece o corpo e gratifica o espírito.
A ginástica, a caminhada, os exercícios de modo geral inscrevem-se naqueles atos sem finalidade de que nos fala Kant. Por essa ótica, aproximam-se da arte. A arte é gratuita, não visa a outro fim que não ela mesma.

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