Poucos episódios recentes provocaram tanta comoção quanto o sacrifício da jovem Eloá, seqüestrada e assassinada pelo ex-namorado. O que dele mais se aproximou, quanto ao impacto na opinião pública, foi a morte da menina Isabella Nardoni. Para quem não se lembra (e nossa memória para eventos desse tipo é cada vez mais curta), Isabella teria sido esganada pela madrasta e jogada, pelo pai, de um dos andares do edifício onde morava.
A diferença entre os dois acontecimentos é que soubemos de Isabella quando ela já havia morrido, enquanto a morte de Eloá foi precedida por vários dias de expectativa e negociação. Num caso, deparamo-nos com o fato consumado e não havia como mudar o roteiro. No outro, poderia ter-se evitado o doloroso desfecho.
É claro que o potencial dramatúrgico do segundo episódio era muito maior do que o do primeiro, o que rendeu à mídia um material dez vezes melhor. E a mídia aproveitou bem isso: câmeras e máquinas fotográficas se postaram em frente ao edifício de Eloá para não perder um detalhe visível do caso. Os detalhes invisíveis ficavam por conta da imaginação dos telespectadores.
Nas casas, nas ruas, nos shoppings, especulava-se com afã sobre o que estaria se passando no apartamento. Lindemberg era um ressentido ou um psicopata? Teria ele coragem de matar as garotas e se suicidar depois?
“Por mim, a polícia invadia o prédio e matava logo esse rapaz” – sugeria uma senhora elegante, numa mesa vizinha à minha, antes de engolir sua tilápia com legumes. Talvez nem sentisse o sabor do prato, pois o que ela degustava mesmo ali no shopping era a novela de Santo André.
O problema é que a novela se prolongou demais. Se a polícia e as autoridades tivessem trabalhado com a eficiência dos repórteres de TV, o resultado teria sido outro. Mas parece que o espetáculo atraía e anestesiava a todos, inclusive aos que tinham a incumbência e o dever de interferir nos acontecimentos. Muitos que deveriam atuar contentaram-se em ser telespectadores, deixando que no interior do apartamento o humor desvairado de Lindemberg ditasse o rumo das ações.
O paraibano queria vingança, mas não queria necessariamente matar. Talvez supliciar a moça, mostrar que a mataria lhe fosse suficiente; do contrário, ele não teria deixado o seqüestro se arrastar por tanto tempo. Teria sido fácil, logo no início, acabar com quem o abandonou.
A demora em se decidir e a mudança de atitude quanto a uma refém que já havia libertado sugerem que o moço sofria e hesitava. Se lhe falava ao ouvido “um diabinho”, falava-lhe também um anjo que em algum momento ele esteve tentado a escutar. O enorme tempo que lhe deram acabou fazendo com que a voz do diabinho prevalecesse.
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Olá, professor! Descobri seu blog por acaso, no blog de uma aluna sua. =D
ResponderExcluirVou andar sempre por aqui de agora em diante!
E quanto ao caso de Santo André, o que me pasma é que são inúmeras as Eloás por aí afora... Esse foi apenas um dos casos que ganhou notoriedade, mas quantas meninas não morrem de forma parecida com essa? É triste, mas é nossa realidade...
Abraços, professor!