terça-feira, 10 de agosto de 2010

Sobre pais e deuses

O escritor norte-americano Paul Auster apresentava um programa radiofônico em Nova Iorque, e um dia teve uma curiosa ideia: pedir às pessoas comuns que lhe enviassem histórias, depoimentos, comentários sobre aspectos ou experiências da vida que as impressionaram.
Muita gente lhe escreveu, e o material era tão interessante que o Auster decidiu -- depois de dar uma burilada -- publicá-lo em livro. O título, “Pensei que meu pai fosse Deus”, é o de um dos relatos mais pungentes da obra.
Vez por outra utilizo um desses textos para tema de redação. Os alunos devem escrever livremente, sem a preocupação de obedecer aos preceitos dos gêneros em que se exercitam para o vestibular e o Enem (resumo, carta argumentativa, artigo de opinião, resenha crítica etc.). Devem sobretudo comentar um evento que os tenha tocado, impressionado, levado a refletir sobre o mundo. O resultado sempre é bom; motivados emocionalmente, os estudantes escrevem melhor.
Transcrevo abaixo uma dessas redações. Dois são os motivos: o primeiro, meio maroto, é que hoje se comemora o Dia dos Pais; o texto do aluno (uma mulher) vai então me ajudar, sem mais trabalho, a sintonizar a coluna com a data especial.
O segundo motivo, bem mais sério e importante, é que a autora escreveu um depoimento sincero, corajoso e demasiadamente humano na forma de declarar o seu amor. Também não descuidou do aspecto literário; vale destacar a relação intertextual que ela estabeleceu com o colaborador do livro de Auster -- relação essa que já se manifesta no título da redação: “Pai, deus ou homem?”. Vamos ao texto:
“É difícil falar sobre algo que você não lembra. Mas quando esse ‘algo’ é um acontecimento que mudou completamente a sua vida, falar se torna mais fácil.
“Tinha pouco mais de um ano de idade, portanto, não tenho lembranças de quando ele nos deixou; fico apenas com relatos parciais de seus motivos e atitudes.
“O que deveria ser normal em nossas vidas, para mim fica só na imaginação -- reclamações por desobediência, castigos por má-criação e até ciúmes do namorado. Não paro de imaginar o quão diferente minha vida teria sido se ele tivesse ficado, se tivesse sido um pai e marido presente. Ouso dizer que, em 18 anos, apareceu poucas vezes, sempre com muitas promessas e com grandes expectativas em relação a nós, filhos.
“Muitos filhos veem seus pais como deuses, super-heróis, pessoas que nunca erram. Para mim, meu pai é apenas um mortal; um homem que errou bastante, que fez muitas escolhas ruins e que sempre esteve ausente. Porém, um homem trabalhador, que eu tanto admiro e amo.”

3 comentários:

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  3. "motivados emocionalmente, os estudantes escrevem melhor."
    Com certeza!
    Nunca me dei bem em redações ou textos que tive de escrever sendo pressionada, ou escrever apenas por escrever.
    O jornalismo pensei que fosse a minha porta, e que abrisse a vontade de escrever, mesmo quando não tivesse vontade ou não tivesse familiaridade com o assunto.
    Mas infelizmente vi que a realidade era outra, eu tinha uma visão muito romântica da profissão.
    Na verdade tenho visão romantizada de tudo que é coisa.
    Porém digo com toda sinceridade do mundo, não há texto melhor do que o escrito com o emoção, pois nos vemos ali, e com certeza outras pessoas também irão se identificar.
    A música me dá espaço para isso, na verdade a arte em geral.
    Chico, obrigada pelo comentário no blog, fico muito feliz por saber que tenho pessoas como você me acompanhando por lá.
    Abraços,
    Gabi.

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