Dizem que o europeu trata hoje melhor os turistas devido à crise econômica. Precisa dos euros que eles deixam no continente. Quem esteve por lá há vinte, trinta anos, garante que o francês não era tão cordato. Nem o português tão paciente com as perguntas “óbvias” feitas pelos brasileiros (para nós, a obviedade é sobretudo deles). Seja qual for a razão, o fato é que não percebi a antipatia nem a soberba com que frequentemente pintavam para mim os habitantes do Velho Mundo.
O que notei por vezes foi um ar repreensivo para com nossa espontaneidade latina. Quando em Córdoba entramos num restaurante e juntamos as mesas, o garçom comentou que não havia necessidade disso para apenas seis pessoas. A partir daí, ficou de cara amarrada. Felizmente na hora em que chegamos ainda não se servia o almoço, somente as “tapas” (entradas), o que nos levou a deixar o local. Fomos comer em outro canto, onde não era preciso juntar mesas.
Com os garçons, por sinal, tomamos conhecimento de uma característica dos europeus que me soou muito simpática -- a intolerância à pressa. Também sou lento e abomino este mundo americanizado, que faz da velocidade uma virtude. Não adiantava chegar no restaurante e convocar logo o garçom (ou seja, era prudente não ir com muita fome). Ele simplesmente não vinha e parecia ter especial satisfação em punir o ansioso com mais demora. Fomos nos acostumando e aprendendo a esperar.
Quando enfim aparecia, o tratamento que nos dispensava era respeitoso e equânime. Com uma eficiência destituída de segundas intenções. A razão maior para isso é que lá não existe o tal dos 10%, que no Brasil é fonte de raiva e discriminação. Raiva do funcionário, que não recebe do patrão esse percentual; e discriminação com os clientes que porventura se negam a pendurar na conta o acréscimo abusivo. Ninguém servia esperando a gorjeta, e quando a recebia se mostrava surpreso -- sobretudo, é claro, se a quantia superava as expectativas. E não precisava ser 10%; dois ou três euros era suficiente para provocar um sensibilizado agradecimento.
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Eu só conhecia Óbidos pela descrição que dela faz Érico Veríssimo em “Solo de Clarineta”. O gaúcho apresenta-a como “um prodígio de pacífica convivência arquitetônica e urbana e de graciosa economia de espaço”. Destaca suas ruas estreitas e curvas, que “sobem e descem, pavimentadas de pedra irregular, por entre as quais crescem ervas”.
“Ela é isso e muito mais” -- pensava eu enquanto caminhava pela cidade-fortaleza que Dom Dinis deu de presente a Isabel de Aragão. Não que falte rigor descritivo ao autor de “Música ao vento”. É que nenhum retrato que se faz de gente, cidade ou paisagem se compara à percepção real que temos delas.
Estar em Óbidos era deixar de imaginá-la a partir de um desenho feito por outrem. Era sentir nos pés e nos olhos a estreiteza daqueles sobrados e becos, e de repente se deparar com um portal mourisco, um par de colunas gregas ou uma sacada de onde os namorados se acenavam com o recato próprio da época. Uma época tão surpreendente, que era possível a alguém presentear a mulher com uma cidade e tudo que havia nela.
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