domingo, 10 de julho de 2011

Impressões do Velho Mundo (2)

Os três fadistas se revezam, juntos, a intervalos de dez ou quinze minutos. Entre as apresentações comemos sardinhas e tomamos vinho no bar do aconchegante distrito de Alfama. Nossa atenção se divide entre os cantores e o movimento do povo na ruazinha serpenteante e de paralelepípedos saltados (uma tortura para o sapato das mulheres). Passam turistas, mercadores, mulheres de preto, jovens tatuados. É Lisboa à noite, e praticamente acabáramos de chegar do Brasil.

De repente ouve-se um agudo que parece querer perfurar nossa alma. Não chega a isso, claro, mas a intenção é mesmo atingir o fundo de nossas emoções. Bater lá dentro para evocar perdas passadas, a tristeza de um amor perdido, o vazio de um sonho que se desvaneceu em suas próprias brumas. É uma nova rodada de fado que se inicia. Meus olhos se voltam da rua para os cantores, que se mostram contrariados quando não são ouvidos com religiosa atenção. Dá para entender. O fado não é apenas música, é um ritual em que se celebra determinada forma de sentir a vida. Tem que ser acompanhado com respeito e silêncio.
Quando a audição acaba, um dos cantores -- de terno branco e lenço azul emergindo de um dos bolsos do paletó -- aproxima-se de nós e pergunta com suave aflição: “Estão a gostar?”. Claro, claro, respondemos, não sem trocar uns com os outros um maroto sorriso latino, que logo se apaga. O homem se afasta, satisfeito. Dentro em pouco virá nova rodada, mas já de barriga e espírito cheios deixamos a tasca e vamos circular pelas ruazinhas do distrito.
Elas são cercadas de sobrados antigos, quase todos do tempo dos mouros. Nas varandas, dependuradas como estandartes, fileiras de roupas para secar. Vestidos, camisas, cuecas, calcinhas -- um vestuário banal que se carrega de exotismo para a nossa curiosidade de turistas.

***

No dia seguinte vamos visitar o Mosteiro dos Jerônimos. É uma construção em estilo manuelino, a que se associam elementos góticos e renascentistas. Foi construído em 1502, segundo me explica o guia, para celebrar a viagem bem-sucedida de Vasco da Gama às Índias.
Fazemo-nos fotografar em frente a sua fachada portentosa, que mistura imagens, colunas despojadas e ornamentados capitéis. Depois entramos na nave, cuja imensa arqueadura sugere mistério e grandeza. Alguém me indica o túmulo de Vasco da Gama, que está por baixo de uma galeria, mas não me emociono tanto quando diante do túmulo de Camões.
Sei que essa é uma lápide simbólica, ninguém jamais encontrou o corpo do autor d’Os Lusíadas --- mesmo assim ela é que mais me impressiona. No momento em que a visito, um grupo de camonianos cerca a estátua do bardo. A homenagem se deve a que nessa data, 10 de junho, comemora-se o aniversário da sua morte e o Dia de Portugal. Os admiradores discursam e cantam com um ar devoto. Parecia que ele era ali o maior dos santos.

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O silêncio do inocente