domingo, 14 de agosto de 2011

Em torno do pai

A injustiça contra o pai começa com a natureza. Ele planta a semente, no entanto a mãe é quem carrega o fruto.
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A maternidade é uma função biológica; a paternidade, muito mais um papel cultural. Pai só conhece o filho quando ele nasce; mãe desde o início tem com ele a maior intimidade (documentada inclusive pelo ultrassom). Envolve-o no ventre, aninha-o no colo, aproxima-o do seio quando dá de mamar. Para o pai sobram as golfadas.
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Pai se orgulha quando ouve dizer que o filho “puxou” a ele. Mãe não está nem aí, pois sabe que o filho... foi puxado dela (o cacófato é para sugerir a dor do parto).
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Pai bom é um filho que deu certo.
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Pai é antes de tudo um nome, porém muitos pais hoje estão aquém da Palavra. Viraram diminutivos, ou aumentativos folgados. Transformaram-se em paizinhos, ou pior, em paizões. O paizão não se reconhece no papel e se sente no nível do filho; tem as mesmas hesitações, comete os mesmos desatinos. Curtem juntos a dor de cotovelo pela gatinha ou pela coroa (pode ser gatinha também!) que lhes deu o fora. Quem assim tão cúmplice pode educar e, se necessário, punir?
(E o filho, secretamente: “Pai, por que me abandonaste?”)
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A condição da autonomia individual não está em “matar o pai”, como quer a psicanálise. Está em descobrir (e aceitar) que ele é humano. O desafio é impedir que o pai humano vire... paizão.
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“Filho, desista de lutar contra mim. Há mais de mim em você do que de você mesmo.” (Dalton Trevisan, “O jantar”)
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O pai está condenado à extinção. O primeiro abalo em sua figura veio com a inseminação artificial. O próximo virá com a criação do sêmen em laboratório, o que tirará do homem o privilégio de deter o material genético necessário à procriação. Quando a mulher puder gerar por si própria o filho, o macho (e por extensão o pai) deixará de ser necessário.
A desforra só ocorrerá quando o útero também for criado artificialmente.
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Geralmente se trata o pai como se ele fosse uma entidade única. Há diferenças, que merecem receber distintas denominações. Sugerimos algumas, conforme o pai seja:

engraçado - paiaço;                              confuso - atrapaiado;
que tudo banca - paitrocinador;            doente - paitológico;
redundante - paipai;                             ativo - pai pra toda obra;
desbocado - sem paipas na língua;       calmo - paicato;
imitador - paipagaio;                            sentimental - paitético.

Um comentário:

  1. Professor, nunca mais comentei aqui, mas estou sempre presente! Fã número um de suas postagens (embora saiba que a recíproca não é verdadeira). ^^



    Abraços


    Luana

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O poder da frase