domingo, 28 de agosto de 2011

Falta de exemplos

A presidente Dilma (não consigo dizer “presidenta”) vem surpreendendo com a demissão de ministros e de outros funcionários envolvidos em denúncias de corrupção. Esperava-se tudo, menos que ela enfrentasse o fisiologismo de alguns congressistas para fazer uma faxina moral no governo. Os riscos que corre são grandes, como se sabe, mas a chefe (não consigo dizer “chefa”) parece disposta a ir em frente. Essa disposição, que nos alegra e revigora, é um sinal de que alguma coisa pode mudar no país.

Será mesmo? Convivemos há tanto tempo com a corrupção, que a consideramos inevitável em nossa prática política. Ela já não choca, não irrita, não indigna. Pelo contrário, tem alguma coisa de cômico. A tolerância risonha e meio cínica com que reagimos às denúncias soa como submissão a uma espécie de fatalismo. Ser corrupto parece a contraface da maioria de nossos homens públicos, que sem esse traço nos soariam, digamos, menos genuínos (sem trocadilho).
Os antropólogos, sociólogos e outros ólogos que estudam nosso caráter atribuem essa complacência à índole do povo. Seríamos todos corruptos por genética e berço -- e o “jeitinho” constituiria uma prova disso. Tendemos a burlar as leis, amaciar as regras, fugir ao dever moral nas mais comezinhas situações da vida. Preferimos “adoçar” a mão do guarda a pagar o que devemos por uma infração. Se todos somos assim, não surpreende que os parlamentares introduzam essa mentalidade e as práticas dela advindas nas instâncias onde lhes cabe legislar. Daí o fisiologismo, a defesa dos colegas envolvidos em falcatruas, o boicote a um presidente que se dispõe a investir com seriedade contra isso.
Esse modo de pensar é lamentável, pois embute uma lógica que absolve e mesmo estimula a corrupção. É no fundo um sofisma, uma vez que nivela as pequenas às grandes faltas. Oferecer bola ao guarda é um desvio ético, não há dúvida, mas não se compara aos efeitos produzidos pelo superfaturamento na licitação de uma rodovia ou pelo desvio do dinheiro destinado à construção de um hospital. Nesses casos o dano à população -- sua integridade, sua vida -- é infinitamente maior.
A intolerância para com os políticos corruptos não pode ser abrandada pela consideração de que eles refletem um traço do nosso caráter. É muito cômodo considerá-los apenas uma versão amplificada do sujeito que no escuro de um cruzamento tenta subornar o guarda. Pela responsabilidade que têm, são muito mais do que isso. E pelo papel que desempenham devem (ou pelo menos deveriam) se constituir em exemplos.
O problema é que não estão interessados em ser exemplos para ninguém -- e com isso fecha-se um possível caminho para mudar as coisas. Talvez a demonstração de honestidade por parte deles concorresse para instaurar um novo paradigma e terminasse sensibilizando o indivíduo que se esquiva de pagar a multa. Em vez de perceber seu gesto refletido nos altos estratos políticos da nação, ele veria em seus representantes uma mentalidade oposta à que estimula a prática do “jeitinho”. Isso de algum modo o inibiria e talvez o fizesse sentir vergonha.
Mas já estou falando de um país utópico... Descendo à vida real, o que nos resta é mesmo torcer para que Dilma resista o quanto possa.

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