Uns sofrem do demônio da dúvida e vivem na gangorra do sim ou não. Outros são compulsivos e remordem-se de culpa sem motivo aparente. Há também os ansiosos, que padecem de uma inexplicável “pressa por dentro” (expressão de Clarice Lispector).
Eu tenho um pouco de tudo isso, mas o que me incomoda mesmo é a distração. Não sou dos que chegam a um lugar sem saber o que foram fazer ali; nem dos que nunca lembram em que andar do shopping deixaram o carro. Mas já vivi situações que me causaram grande constrangimento. A maioria no âmbito doméstico, para desespero da minha mulher.
Já não dou conta das chaves e guarda-chuvas que perdi. Nem das vezes em que voltei do meio do caminho para buscar a pasta de redações que deveriam ser entregues aos alunos. Outro dia, depois de lavar compenetradamente os pratos, guardei o detergente na geladeira e a melancia no armário. Não precisa dizer que tive de enfrentar uma borrasca conjugal. “Em que é que você estava pensando?” – repreendeu-me a esposa.
O problema é esse. Em que é que o distraído está pensando? Em tudo e em nada ao mesmo tempo. Ele parece fútil, mas é na verdade disperso. Há em seu cérebro uma simultaneidade de sinapses que conduzem a várias trilhas mentais. Ideias, lembranças, desejos oscilam em torno de um desarvorado centro anímico. Daí os esquecimentos, as veleidades, os “brancos” alternados com momentos de esplendorosa lucidez.
É preciso ter paciência com os distraídos. Eles raramente são maus, pois a maldade exige concentração. Como, sem cálculo e constância, urdir um plano para destruir alguém? Com sua alma transitória, o distraído tem facilidade para esquecer quem o ofendeu. Sua lição é de tolerância e desprendimento.
Os outros, sim, tendem a ser intolerantes com ele. Acusam-no, por exemplo, de viver no mundo da lua. Ou de não estar “nem aí”. De fato, o distraído está sempre além, alhures, em outro canto. Ele vive nos atalhos que margeiam o centro perdido, ou ignorado, do qual não sabe “como” nem “por que” se afastou.
(Em "A idade do bobo", p. 71)
Eu tenho um pouco de tudo isso, mas o que me incomoda mesmo é a distração. Não sou dos que chegam a um lugar sem saber o que foram fazer ali; nem dos que nunca lembram em que andar do shopping deixaram o carro. Mas já vivi situações que me causaram grande constrangimento. A maioria no âmbito doméstico, para desespero da minha mulher.
Já não dou conta das chaves e guarda-chuvas que perdi. Nem das vezes em que voltei do meio do caminho para buscar a pasta de redações que deveriam ser entregues aos alunos. Outro dia, depois de lavar compenetradamente os pratos, guardei o detergente na geladeira e a melancia no armário. Não precisa dizer que tive de enfrentar uma borrasca conjugal. “Em que é que você estava pensando?” – repreendeu-me a esposa.
O problema é esse. Em que é que o distraído está pensando? Em tudo e em nada ao mesmo tempo. Ele parece fútil, mas é na verdade disperso. Há em seu cérebro uma simultaneidade de sinapses que conduzem a várias trilhas mentais. Ideias, lembranças, desejos oscilam em torno de um desarvorado centro anímico. Daí os esquecimentos, as veleidades, os “brancos” alternados com momentos de esplendorosa lucidez.
É preciso ter paciência com os distraídos. Eles raramente são maus, pois a maldade exige concentração. Como, sem cálculo e constância, urdir um plano para destruir alguém? Com sua alma transitória, o distraído tem facilidade para esquecer quem o ofendeu. Sua lição é de tolerância e desprendimento.
Os outros, sim, tendem a ser intolerantes com ele. Acusam-no, por exemplo, de viver no mundo da lua. Ou de não estar “nem aí”. De fato, o distraído está sempre além, alhures, em outro canto. Ele vive nos atalhos que margeiam o centro perdido, ou ignorado, do qual não sabe “como” nem “por que” se afastou.
(Em "A idade do bobo", p. 71)
Sofro do mau da distração também... hehehe
ResponderExcluirAcho que nunca assisti uma aula completa sem dar aquela viajada, aliás, não nasci para assistir aula! Se eu pudesse, estudava só e aparecia na universidade apenas para tirar dúvidas e para aulas práticas.
Será que existe remédio para os distraídos?
Bjuuus
ps.: numa de minhas últimas postagens, comentei a postagem que o senhor fez sobre O amor. ^^