domingo, 5 de fevereiro de 2012

Sobre o plágio do meu slogan

Há alguns anos, a frase “Curso Chico Viana - Não dá pra passar sem ele” tornou-se o slogan do meu curso (o que está fartamente documentado em apostilas e jornais). Estranhei ao vê-la, no Facebook, ilustrando o comercial de um professor de redação desta cidade.
Diga-se, a bem da verdade, que a cópia não foi total. O colega trocou o meu “pra” por um “para”: “Curso Tal - Não dá para passar sem ele.” Isso me convenceu de que seu objetivo, além de copiar-me, foi também me “corrigir”. Ele produziu uma espécie de plágio retificador (se é que isso existe, pois a apropriação total de um conteúdo artístico, científico ou cultural por outrem é apenas plágio --- sem adjetivos).
O que teria levado o professor a fazer isso? Certamente a ideia equivocada de que “para” é mais... correto do que “pra”. Tal modo de ver merece algumas considerações, pois um dos assuntos que mais se discutem hoje no ensino da língua (e particularmente no da redação) é a pertinência dos registros de linguagem.
No meu slogan, o uso do “pra” se justifica por duas razões. A primeira é que o conectivo aparece numa mensagem publicitária, tipo de texto em que há espaço para o uso informal da língua. Os redatores das agências de publicidade nem sempre se pautam pela norma culta ou pelo registro formal. Tendem, por exemplo, a cometer transgressões na regência em frases do tipo: ”Encontre a casa que você precisa” (e não “de que”).
A segunda razão, ainda mais forte, é que a mensagem publicitária visa atingir o cérebro e o coração do destinatário. Seu objetivo é convencer e, sobretudo, persuadir. Um dos meios de conseguir isso é lançar mão de recursos da linguagem poética, tanto no plano semântico quanto no sonoro. Daí ser comum no texto publicitário o uso de metáforas, versos, rimas. Em meu slogan, apelei para o metro heptassilábico: “Não/ dá/ pra/ pa/ssar/ sem/e/le” (“ss” juntos porque se trata de divisão métrica, não silábica). A cesura na segunda, na quinta e na sétima sílabas dá um tom incisivo à frase e se harmoniza com a veemência logicamente respaldada na “condição necessária” (embora não suficiente): “Sem ele, é impossível passar” -- nos dois sentidos que o verbo “passar” tem no slogan.
Trocando o “pra” por “para”, o colega compromete a maior parte desses efeitos. Quebra o metro heptassilábico e produz uma desagradável impressão sonora. A presença de mais um “a” prolonga desnecessariamente a assonância (aaaaa) e ressalta a cacofonia gerada pelas consoantes “p” e “r” (parapa - parece o caracrachá do Severino). Em vez do heptassílabo, ele criou um octossílabo trôpego e manco, que está longe da fluidez desejável numa mensagem publicitária.
Meu slogan foi inspirado num, da “Folha de São Paulo”, muito elogiado pelo uso que faz da dupla negação: “Folha - Não dá pra não ler”. (grifo meu). A dupla negação aponta para um conteúdo afirmativo forte e reforça a “condição necessária”. Talvez o colega trocasse o “pra” pelo “para” no slogan da “Folha”, destruindo a força do pentassílabo e comprometendo a eficiência da expressão. Talvez até, quem sabe, sua ânsia corretiva o levasse a modificar o verso de Bandeira, que passaria para “Vou-me embora para Pasárgada”. O problema é saber em nome de quê ele faria tais correções.







Um comentário:

  1. Outro problema em profissionais como esse professor é que esquecem que a língua é uma coisa movente, dinâmica,impermanente, e que a gramática é tão somente a forma como a apresentamos em um determinado ponto de tempo e espaço. Seja qual for o formato em que ela se apresenta, seu objetivo final é comunicar, e será comunicado se emissor e receptor compartilharem de um mesmo código.

    Fica na paz.

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