O inconsciente nunca foi bem-aceito
pela ciência. O que não pode ser visto nem provado não interessa à maior parte
dos cientistas. O método científico trabalha com hipóteses que devem ser
verificadas para tornar ou não válidas as teorias. É quase impossível fazer
esse trabalho num domínio do psiquismo que fica abaixo do limiar da
consciência. Um domínio que não pode ser testado nem quantificado, e por isso
não se presta a formalizações válidas sobre o homem e a natureza.
O panorama vem mudando, e uma das provas é
este “Subliminar” (Zahar), de Leonard Mlodinow. O autor, que é doutor em
Física, pretende mostrar que existe mesmo um inconsciente e que ele determina a
maior parte das nossas escolhas. A obra é rica em evidências resultantes de pesquisas
rigorosamente documentadas.
Numa delas, por exemplo, constatou-se que
um grupo de mulheres escolhia seus maridos não pela beleza ou pela inteligência,
mas por terem o mesmo sobrenome. Em outra, descobriu-se que a cotação de
determinadas ações aumentava nos dias ensolarados (parece que o sol estimulava
o ânimo para jogar na Bolsa). Um terceiro estudo mostrou que uma descrição mais
floreada dos pratos de um restaurante levava os fregueses a considerá-los mais
gostosos. Em detalhes como esses revela-se a influência do inconsciente, que
fala às emoções, aos sentidos, e tem razões que não são percebidas pela mente
racional.
Mlodinow fala de um “novo inconsciente”,
que se distingue do que é apresentado na psicanálise freudiana. Para o físico, o
inconsciente não é o lugar em que desejos proibidos entram em conflito com um
superego tirânico. Não é a sede de impulsos instintivos que se “recalcam” em
razão da moralidade. Não é, enfim, a cena dos complexos que vão definir a
sexualidade humana.
Ele é antes efeito da configuração do
nosso cérebro, que evoluiu de estágios primitivos – comuns a todos os animais –
até chegar à complexidade do córtex pré-frontal. Expandimo-nos racionalmente preservando
níveis primitivos de sentir e pensar; esses níveis jamais são soterrados e interferem
com muita força em nossas preferências conscientes. Eles fazem com que
julguemos “produtos pela caixa, livros pela capa e até balanços anuais de
corporações pelo melhor acabamento em papel brilhante” (p. 31). A ideia fascina
e não deixa de constituir um alerta: é preciso se prevenir contra as aparências.
Mas dificilmente escapamos a elas.
O que falta
ao inconsciente de Mlodinow é a dimensão da linguagem. Ele aparece como uma memória
de prazeres, estímulos, sensações, mas não sedia o jogo mediante o qual o
desejo procura driblar a censura (o superego) condensando ou deslocando
sentidos. O inconsciente teorizado pela ciência não se interessa, por exemplo, em explicar os sonhos e os atos falhos. Justifica nossas escolhas, mas não quer saber do
que ocorre quando elas não podem se realizar. Desconhece as possibilidades de explicação
pela análise e, com isso, fecha as trilhas para a cura das neuroses.
Isso nem de longe tira os méritos do livro, cuja variedade e rigor dos casos apresentados constituem um argumento convincente. Depois de o ler a gente é estimulado, antes de fazer nossas escolhas, a pensar no mínimo duas vezes.
Isso nem de longe tira os méritos do livro, cuja variedade e rigor dos casos apresentados constituem um argumento convincente. Depois de o ler a gente é estimulado, antes de fazer nossas escolhas, a pensar no mínimo duas vezes.
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