Amigos, na semifinal da Copa, o "Mané Garrincha" foi a tumba em que o brasileiro enterrou sua última quimera. Imagino que cada
um de nós, ao acordar no dia seguinte, pediu ao amigo, ao parente, ao vizinho: “Me belisca, me
belisca. Quero saber se é mesmo verdade!”. O que era para ser “resgate da honra”
terminou intensificando a nossa humilhação. A vontade do brasileiro hoje é sentar
no meio-fio e chorar. Essa torrente de lágrimas rolaria, numa caudal
amazônica, do Oiapoque ao Chuí. Seria um novo dilúvio, quem sabe?, para nos redimir
de antigas culpas (dizem que somos um povo muito pecador) .
Mas eis o que eu queria dizer: não
estávamos preparados para este segundo massacre. A torcida acreditava, apareceu
em peso e colorida, ululando como índio de filme. O futebol é das poucas coisas
que despertam nosso narcisismo, por isso todos queriam ver seu patriotismo estampado
no telão. Mas veio o primeiro gol da Holanda, e o segundo (este depois de David
Luiz cabecear a bola nos pés do adversário, que a ajeitou e desferiu o chute
fulminante).
Depois do terceiro gol, ocorreu uma
estranha mas previsível metamorfose: nosso narcisismo regrediu ao estágio
tribal, quero dizer, ao antigo complexo de vira-lata. Havia em cada olhar, em
cada gesto, o impulso atávico de latir, grunhir, rastejar. Dirão que exagero, e
pode ser. Mas não há duvida de que só o escrete nos redime de velhas e santas recriminações.
Vê-lo tomar 10 gols em dois jogos nos faz humilhados e ofendidos.
Um dos que se salvaram no jogo foi
Oscar. Elétrico, incansável, ele se movia como um suricato da Disney. Os holandeses
tiveram trabalho, mas, como diz a minha vizinha gorda e patusca, uma andorinha
só não faz verão. O ideal era que houvesse em campo nove, 10, 11 Oscares. Os
outros jogadores não foram bem. Hulk se esforçou, correndo muito no pouco tempo em
que esteve em campo. Mas a melhor oportunidade que teve ele jogou literalmente
no espaço. Relembremos a cena: Hulk recebe a bola pela esquerda e tenta se livrar
do zagueiro adversário. Dá a impressão de que vai conseguir e arma o chute. Sai
o petardo, ao empuxo das ancas portentosas, mas sai descalibrado e toma o rumo
do céu. Dizem que a bola não aterrissou até agora.
A Holanda goleava, e o que se via da
parte da comissão técnica? Perplexidade e aparvalhamento. Felipão era um Quixote
sem moinhos. Ele e Parreira não tinham o que conversar, e esse mutismo parecia
um doloroso reconhecimento de impotência. Então se deu um episódio de ópera-bufa:
os jogadores se reuniram e começaram a cochichar uns com os outros, como
comadres, apontando para o campo. Escondiam os lábios para impedir que se
entendesse o diziam. Curiosa cena: a comissão fora substituída por um grupo de palpiteiros,
cada qual sugerindo um meio de impedir que se repetisse a catástrofe alemã.
A propósito dos 7 a 1, falou-se em apagão.
Foi bem mais do que isso; naquele dia a Seleção mergulhou num buraco-negro, e
tudo que brilha em nós foi engolfado por esse abismo estarrecedor. Resta saber
quando conseguiremos sair dele.
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